Curso de Imersão: Sábado de Aleluia

No sétimo dia da criação Deus descansou e Ele abençoou o sétimo dia.
A nossa semana de sete dias tem a sua origem histórica na cultura judaica, e as suas raízes espirituais no processo de criação do mundo em sete etapas. Podemos ter a pergunta sobre qual seria a qualidade desse sétimo dia e onde encontramos essa qualidade em nossa semana. Olhando-se para a história e para a tradição judaica torna-se óbvio que o sábado tem a qualidade do sétimo dia. A palavra sábado vem do hebraico Shabat. O sábado é o dia santo na religião judaica e é celebrado pelo cumprimento das leis do descanso. O domingo sempre foi o primeiro dia da semana e, em português, é interessante observar que o dia seguinte ao domingo é a segunda-feira. O domingo seria a “primeira feira”. O nome ‘domingo’ vem do latim Dominus Dei, dia do Senhor. Assim o chamaram os cristãos por ser o dia da ressurreição do Jesus Cristo, o primeiro dia da semana. O domingo não deveria ter a qualidade do descanso, mas a qualidade do impulso criativo, o início de um novo ciclo. Com a mudança das agendas e calendários, colocando a segunda-feira como primeiro dia da semana e estendendo a qualidade do sábado como dia de descanso para todo o fim de semana, corremos o risco de perder tanto a qualidade do sábado como a do domingo. O sábado é o fim da semana. O domingo é o início da semana. O encontro entre o sábado e o domingo, do fim de um ciclo com o início de um novo, é o momento mais interessante desse ritmo da semana.
A qualidade do sábado é descrita como descanso. Mas o que é descansar? É simplesmente ‘não fazer nada’? No gozo das férias se repete comumente a experiência de que ‘não fazer nada’ não traz uma revitalização. Talvez, em um primeiro momento, seja agradável ‘não fazer nada’ e sair do estresse dia a dia. Mas, muito rapidamente, o ‘não fazer nada’ se transforma em tédio. E, no convívio com outras pessoas, o ‘não fazer nada’ é uma forma bem segura de criar conflitos sociais. Uma experiência de um momento de descanso, que muito provavelmente todos nós já tivemos, ao menos na infância, é brincar em um balanço. O balanço é uma tabuinha como assento, dependurada em duas cordas, de onde se pode balançar para lá e para cá. O movimento do balanço tem sempre dois pontos de uma absoluta falta de movimento, de uma parada, de um descanso: quando ele chega ao seu ponto mais alto à frente e depois atrás. Quando uma criança pequena quer balançar, uma outra pessoa tem que dar o impulso do movimento o tempo todo, pois a criança pequena não é capaz de balançar-se sozinha. A partir de uma certa idade ela consegue balançar sem ajuda. É a idade na qual a criança aprende a ser ativa nesses dois momentos de descanso do balanço. No momento em que o balanço está em descanso é necessário que a criança, a partir se si própria, dê um novo impulso de movimento. Se apenas estamos sentados no balanço e não criamos a renovação do movimento, o balanço vai diminuindo seu curso até chegar à parada total. Se aproveitamos os momentos de descanso para renovar o impulso do movimento, podemos balançar pelo tempo que quisermos.
No sétimo dia da criação Deus descansou. Mas esse descanso divino não significa, de forma alguma, um ‘não fazer nada’. Muito pelo contrário: Ele abençoou o sétimo dia. Abençoar significa renovar um impulso espiritual. É como assoprar num monte de cinzas para que as brasas que estão escondidas comecem, novamente, a criar calor e possam acender uma nova chama.
Em seis dias Deus criou o mundo. No sétimo, Ele criou a possibilidade de renovar o impulso da criação: encontrando no descanso a força renovadora da religação com o espiritual, a força da benção.
O sábado de aleluia é um dia de silêncio onde, exteriormente, não acontece nada. Socialmente é Shabat, é proibido se movimentar em excesso. Jesus Cristo havia sido sepultado no fim da tarde da Sexta-Feira Santa. O sábado é silêncio, espera, insegurança. Hoje esperamos o sábado passar para festejar Páscoa no domingo. Mas, nesse sábado da Semana santa, ninguém sabia que, no domingo, vivenciariam Jesus Cristo ressuscitado. Vivenciaram no sábado realmente o fim, sem saber se haveria um novo começo. É silêncio, espera, insegurança que pode se tornar desespero.
Espiritualmente é o dia com a maior atividade. O corpo de Jesus foi sepultado. Mas Jesus Cristo não está no túmulo, assim como nenhum falecido está em um túmulo. Jesus Cristo está na realidade espiritual do mundo, no âmbito etérico. Os primeiros que O vivenciam são os falecidos. No reino da natureza temos o dia do silêncio, do descanso. No reino dos mortos temos, no sábado, uma grande atividade. Eles são os primeiros que recebem os impulsos do Cristo, os impulsos que possibilitam criar uma nova realidade humana. Eles renovam os ideais humanos e desenvolvem a vontade de atuar na Terra para ajudar a realizar esses ideais. Os falecidos são, no Sábado de Aleluia, os primeiros que se unem ao Cristo ressuscitado. Eles querem atuar servindo o Cristo. Mas não podem! Pois não estão encarnados. Criar a nova realidade humana aqui na Terra só nos é possível enquanto estamos encarnados. A grande esperança dos falecidos é encontrar pessoas que procuram momentos de silêncio, momentos de descanso e, nesses momentos, buscam unir-se com os impulsos espirituais que os falecidos querem nos dar, impulsos de graça, impulsos para humanizar a nossa vida.
Nós, enquanto encarnados, podemos nos sentir na vida como em um balanço, nos movimentando de lá para cá. Nosso Eu é como uma criança que está aprendendo a balançar sozinha. Temos que aprender a renovar o movimento a partir de uma atividade interior, movimentar de uma forma produtiva “as pernas do nosso Eu”. Mas nós não somos deixados sozinhos nessa tarefa. Existem amigos que nos querem ajudar a “balançar”. Os falecidos são os grandes amigos.
Do sábado de Aleluia, do dia dos falecidos, podemos aprender que temos como tarefa abrir a nossa alma para os impulsos que podemos receber dos falecidos. Nenhum trabalho, que se relaciona com os ideais humanos espirituais, é possível de ser realizado sem a ajuda dos falecidos.
Seis etapas teve o processo da criação do mundo. No sétimo dia, Deus descansou e abençoou a criação. Seis passos nós tentamos seguir nesta Semana Santa e nos conscientizamos de impulsos que recebemos do Jesus Cristo e da tarefa que temos para aprender a servir a esses impulsos.
Hoje, no Sábado de Aleluia, talvez seja a tarefa de aprender a vivenciar o descanso como uma atividade da nossa alma, procurando se abrir para um nível superior à natureza e recebendo os impulsos de benção do mundo espiritual, trazidos para nós pelos nossos queridos falecidos.
Amanhã será Páscoa. Exteriormente estaremos separados. Mas interiormente unidos, talvez até mais do que em outros anos, pois sabemos que estamos nos esforçando na mesma direção espiritual, tentando compreender o que Jesus Cristo nos trouxe de impulsos e como podemos aprender a servir a esses impulsos. Cada um está no seu caminho, cada um no desafio em que a vida o coloca. Mas neste ano estamos todos juntos perante o desafio que foi colocado para toda a humanidade. A epidemia atual não traz uma tarefa nova para a humanidade. Ela somente desperta a nossa consciência e nos deixa vivenciar de forma mais real, algo que todos nós já sabíamos: a partir do egoísmo, seja individual ou coletivo, ninguém resolverá o desafio. Somente atuando juntos poderemos ter a esperança de aproveitar o momento para criar um novo futuro, e também uma nova realidade social.
Quando, amanhã, o Sol do Domingo de Páscoa nascer na natureza, desejo a todos que fechem os olhos e sintam como o Sol do Cristo, o Sol espiritual do Ressuscitado, o verdadeiro Sol da Páscoa, quer nascer no coração de cada um de nós.

João F. Torunsky

Curso de Imersão: Sexta-feira Santa

No sexto dia da criação Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem e à nossa semelhança. “
Agora a criação chega à sua meta, a criação do homem à imagem e semelhança divina. Mas a criação chega também a um paradoxo. Tudo o que foi criado é criatura. Deus é aquele que criou. Ele não é criatura, é o Criador. O homem, como ser criado por Deus, também é criatura. Mas para ser semelhante a Deus, teria que ser criador e não somente criatura. Esse é o paradoxo da criação: como é possível criar uma criatura que seja também criador?
A solução para esse problema está em que nós, seres humanos, vivemos em dois níveis. O primeiro é o nível do nosso corpo. Nesse nível somos seres da natureza, somos criaturas, criadas por Deus. O segundo nível no qual vivemos é o da nossa alma, do nosso eu. Nesse nível anímico-espiritual, nós não somos apenas criaturas, como o somos em relação ao nosso corpo. Isso se torna nítido quando vemos que o nosso corpo se desenvolve em processos naturais de crescer e fenecer. A nossa biografia, o nosso desenvolvimento anímico-espiritual acontece também em rítmicos naturais, válidos para todas as pessoas. Mas só em parte, somente nos processos que estão vinculados com o desenvolvimento do corpo. Além disso, nós temos também um desenvolvimento individual na biografia, um processo de aprendizado e amadurecimento que não é determinado pela natureza. São momentos onde o desenvolvimento anímico-espiritual depende de cada um, depende do que queremos aprender da vida e se queremos, ou não, mudar algo no nosso modo de ser. Em grande parte, o desenvolvimento anímico-espiritual de cada um de nós está colocado diante da nossa liberdade e responsabilidade. O que acontece na vida muitas vezes não temos a possibilidade de determinar. Mas o que aprendemos a partir dos acontecimentos, e quais frutos colhemos para o nosso desenvolvimento anímico-espiritual, é sempre uma decisão individual, está sempre na esfera da nossa liberdade.
Nós fomos criados por Deus e, como toda a natureza, também somos criaturas. Mas nos seres humanos Deus semeou um impulso que o eleva a um outro nível, acima da natureza, o dirige à semelhança divina. Temos em nós o impulso, a potência de nos desenvolvermos a nós mesmos, de desenvolver o nosso eu. E a qualidade do eu conquistamos quando conseguimos ter o motivo das nossas ações em nós próprios, e não só no cumprimento de leis naturais ou sociais. Quando conseguimos ser criativos, e não só repetir algo que foi determinado pelo passado. Também quando assumimos a responsabilidade pelos nossos atos. E a maior responsabilidade que podemos assumir é a responsabilidade pela criação do humano em nós. A maior ação criadora que podemos ter é a criação do nosso próprio eu. E a maior atividade que podemos ter é a partir desse eu, que não reage àquilo que vem de fora, mas age a partir de si, em responsabilidade por ser co-criador de um futuro mais humano.
O sexto dia da criação ainda não terminou, ele está acontecendo continuamente. Nós somos seres criados por Deus, somos criaturas. Mas temos em nós a potência de nos tornarmos semelhantes a Deus, assumindo a tarefa de elevarmos nosso eu a um nível humano, e assim divino.
Na Sexta-feira Santa Jesus Cristo foi julgado e condenado à morte, foi açoitado, coroado com uma coroa de espinhos, carregou sua cruz e foi crucificado. Ele, que era inocente. A consequência natural para esta injustiça seria a vingança. Mas a partir das forças do perdão, das forças do amor, Jesus Cristo humanizou a vingança, transformou a consequência natural em impulsos para a criação de uma nova realidade, uma realidade humana.
A consequência do julgamento injusto foi transformada em um impulso que agora está semeado na alma de cada um de nós: a possibilidade de julgar-se a si mesmo. Não um julgamento a partir de leis morais ou sociais impostas de fora. Essa é a forma de julgamento antes do Cristo. O impulso do Cristo é a possibilidade de que cada um possa ter um sentimento de autenticidade consigo mesmo. Essa é a voz da consciência que está semeada na alma de cada um de nós.
A consequência de que Jesus Cristo foi açoitado se transformou na vivência de se sentir interiormente tocado por Ele. Muitas vezes podemos ter hoje essa experiência. Mas não podemos nos deixar entorpecer pelo estresse do dia a dia ou por entretenimento. É como sentir no seu íntimo que alguém está batendo suavemente na porta da nossa alma, tentando nos despertar, tentando chamar a atenção para a importância da qualidade humana na nossa vida.
A consequência da coroação do Jesus Cristo com uma coroa de espinhos foi transformada na possibilidade de recebermos inspirações que nos leve a solucionar problemas que temos na realização dos ideais humanos. Essas inspirações acontecem muitas vezes quando um grupo de pessoas se esforça para trabalhar juntas e realmente se abrem para essa esfera. É da qualidade de Pentecostes que precisamos, para que as ideias que temos não sejam meros produtos da nossa intelectualidade, mas impulsos que tenham sua origem no Cristo.
A consequência de Jesus Cristo ter carregado a sua cruz foi transformada na força que nos ajuda a carregar o nosso próprio destino. Muita vezes podemos vivenciar a nossa impotência perante os desafios da vida e são momentos preciosos quando notamos que ganhamos uma força para seguir em frente, carregar a nossa cruz.
Quando Jesus Cristo estava na cruz Ele disse: “Pai perdoa-os, pois eles não sabem o que fazem. “
A consequência da crucificação de Jesus Cristo foi transformada numa nova e muito sutil clarividência cármica. Na nossa época as almas estão desenvolvendo um sentimento de começar a perceber quais serão as consequências cármicas para aquilo que estamos fazendo no momento. Se começarmos a prestar atenção para esse fenômeno perceberemos que muitos de nós já têm esse sentimento. Existem momentos em que estamos prestes a fazer algo e, de maneira quase que imperceptível, surge um sentimento das consequências que isso trará para o relacionamento com uma outra pessoa. Quanto mais prestarmos atenção a essas percepções, mais estaremos conscientes das consequências dos nossos atos e, assim, realmente seremos livres para decidir e assumir a responsabilidade por aquilo que fazemos. Iremos saber sempre mais sobre as consequências do que fazemos.
As transformações das consequências naturais do que Jesus Cristo sofreu na Sexta-Feira Santa não são especulações. A transformação da vingança em impulsos para a formação de uma nova realidade humana, a partir das forças do perdão e do amor, podem ser observadas em um âmbito espiritual e foram descritas por Rudolf Steiner. Para nós é possível vivenciar na própria alma a presença desses impulsos para que possamos ser co-criadores de um ser humano semelhante ao Divino.

João F. Torunsky

Curso de Imersão: Quinta-feira Santa

No quinto dia da criação Deus começou a criar os animais. Nesse dia os peixes e as aves foram criados, no dia seguinte os mamíferos. A cada dia se forma um novo reino na natureza: os minerais, as plantas e agora os animais. Os reinos dependem um do outro. O reino mineral forma a substância da Terra. As plantas têm a sua substância do reino mineral, mas são elas que formam a vida na natureza. Isso é possível porque as plantas estão ligadas de tal forma com o cosmo que podem receber a corrente vital que emana para a Terra e formar aqui a vida. O mais evidente desse processo é o relacionamento das plantas com o Sol. Elas podem assimilar a luz do Sol e, pela fotossíntese, formar a vida vegetal. As plantas estão unidas com a Terra pelas raízes, com o Sol pelas folhas, com as estrelas pelas flores, e possibilitam a vida na Terra.
Com a criação dos animais surge na natureza uma nova forma de consciência: uma consciência desperta. Também os minerais e as plantas têm uma consciência. A consciência das plantas ainda podemos imaginar. É semelhante à nossa consciência quando dormimos um sono profundo e dizemos dele que estamos inconscientes. A consciência dos minerais é ainda mais inconsciente do que a das plantas, isto é, mais inconscientes do que a nossa experiência de estarmos completamente inconscientes no sono. Por isso é muito difícil imaginar a qualidade da consciência mineral. Os animais já estão muito mais próximos da nossa consciência. Eles dormem e acordam. Quando estão despertos podem expressar estados anímicos, como nós. Mas os animais, apesar de poderem estar despertos e atentos, têm na vigília uma consciência mais semelhante àquela que temos durante o sono. Isso porque eles, na vigília, não chegam a despertar, como nós, para uma autoconsciência.
Esse nível superior de consciência, tanto dos animais quanto a nossa, é conquistado por uma separação maior do cosmo. A capacidade de desenvolver uma vida anímica consciente é conquistada pela perda da possibilidade de assimilar diretamente as forças cósmicas para formar uma vida biológica. Tanto os animais, quanto nós, não temos a possibilidade de assimilar a luz do Sol e fazer uma fotossíntese. Surge assim a necessidade da alimentação. Os minerais formam a substância da Terra. As plantas dependem dos minerais e por estarem ligadas ao cosmo formam a vida biológica na Terra. Os animais e os seres humanos dependem da substância mineral, dependem da vida das plantas para se alimentarem, e por estarem mais separados do cosmo formam uma vida anímica consciente. Cada etapa de desenvolvimento acontece sobre a base formada pela anterior. Podemos sentir isso como dependência, mas também como uma ajuda mútua. O nível superior depende do nível anterior para poder se desenvolver. Isso poderia ser a base para sentir uma profunda gratidão. O nível inferior serve ao desenvolvimento do nível posterior. Isso poderia ser a base para sentir o significado para sua própria existência. Essa dependência entre os diferentes níveis de desenvolvimento, como fonte de gratidão e sentido de existência, foi expresso de uma forma grandiosa por Christian Morgenstern em seu poema „Lava-pés“.

O Lava-Pés

Diante de ti, oh! pedra muda, inclino-me,
E a gratidão que sinto em mim é tanta.
Eu devo a ti meu existir de planta.

Diante de ti, oh! campo em flor, inclino-me,
E minha gratidão é sem igual.
Tu me ajudaste a ser animal.

Oh! pedra, oh! planta, oh! animal, inclino-me diante de vós,
Tão grato aqui estou…
Graças a vós eu sou o que hoje sou.

A teus pés, ser humano, quem se inclina somos nós,
Gratidão – nós que a sentimos!
Pois é por existires que existimos.

É, do uno e do múltiplo divinos,
Que todas as criaturas sempre estão
Se entrelaçando em sua gratidão.

Christian Morgenstern
(Tradutor desconhecido)

Na Quinta-feira Santa, Jesus Cristo se reúne com seus discípulos para festejar Pessach. Dois motivos nesse acontecimento tão profundo gostaria de ressaltar. Antes de começarem a Santa Ceia, Jesus Cristo lava os pés dos discípulos e nos dá como tarefa desenvolver gratidão uns aos outros e a querer servir uns aos outros. Esse ato do Lava-pés não é um gesto simbólico, pedagógico, para que os discípulos compreendam melhor a tarefa que receberam. O ato do Lava-pés é verdadeiro.
Também Jesus Cristo não teria cumprido a sua missão na Terra sem o círculo dos doze discípulos. Não é por acaso que são doze e assim formam um círculo com a qualidade cósmica. Os discípulos são individualidades muito distintas. E cada um é necessário para formar um círculo com a qualidade cósmica, mesmo Judas. Jesus Cristo, em profunda gratidão, lava os pés de cada um, também de Judas.
Depois do Lava-pés eles celebram a Santa Ceia, comem do pão, bebem do vinho. A celebração recebe a qualidade da alimentação. Exteriormente é o mesmo nível de alimentação que temos no nosso dia a dia, quando ingerimos alimentos vegetais, digerimos e formamos nossa vida biológica, formamos o nosso corpo, nosso sangue. Mas nesse momento da Santa Ceia, Jesus Cristo se coloca em um nível ainda mais profundo de relacionamento com os discípulos. No Lava-pés temos a expressão da gratidão que cada um pode sentir pelo outro. Pois o desenvolvimento de cada um, só é possível pela ajuda recebida do outro. Na Santa Ceia, Jesus Cristo se coloca a serviço de nós, se oferece como alimento espiritual para que nós possamos nos desenvolver como seres humanos. Ele se une com o processo da alimentação oferecido pelo reino vegetal. A força biológica que as plantas nos oferecem para que formemos nosso corpo, nosso sangue, a partir da alimentação, se une agora com a força e o ser do Cristo para que, pela sua força, pela força do seu corpo, do seu sangue, tenhamos o impulso de formar uma nova realidade, um futuro para a Terra e para a humanidade, tenhamos a força de superar o egoísmo e a temporalidade.
Dois motivos podemos colher da Quinta-feira Santa. Para que formemos uma realidade sempre mais humana, precisamos desenvolver gratidão por todos e por tudo que nos ajuda a nos desenvolver. E precisamos desenvolver a vontade de nos colocarmos a serviço do outro, para que ele possa se desenvolver.

João F. Torunsky

Curso de Imersão: Quarta-feira Santa

No quarto dia da criação do mundo nos deparamos com um enigma. Já existe o dia e a noite, o firmamento, os continentes e os mares, as plantas. Mas ainda não existem o sol, a lua e as estrelas. Estes são criados no quarto dia. Este fato nos leva a prestar atenção de que as imaginações descritas no Gênesis são mal compreendidas se interpretadas de uma forma mágica. Como se Deus, por um ato mágico, tivesse criado as coisas do mundo, tal como as vivenciamos hoje.
Essa forma de compreensão errônea se encontra muitas vezes no que se convencionou chamar Criacionismo: a crença em um poder mágico divino. O mundo e os seres, tal como os encontramos hoje, são muito mais o fruto de um desenvolvimento de milhares e milhares de anos. Por outro lado, a compreensão do desenvolvimento do mundo corre o risco de se tornar materialista e entender todo o processo de desenvolvimento como algo que acontece por acaso. A realidade não é nem um Criacionismo mágico, nem um desenvolvimento ao acaso.
A grande tarefa do reconhecimento dos processos de evolução consiste em entender como processos físico-biológicos que acontecem na Terra estão influenciados pelas forças celestes. As imaginações relatadas no Gênesis são princípios espirituais necessários para a criação do mundo.
Nesse sentido podemos entender melhor por que somente depois da formação da vida na Terra é relatado sobre a criação do Sol, da Lua e das estrelas. Por que nenhuma vida é possível sem um relacionamento com o cosmo. As substâncias físicas que estão presentes nos seres vivos ainda poderíamos tentar entender como meramente matéria vinda da Terra. Mas nenhuma forma de ser vivo, nenhum processo vital, nenhuma harmonia do relacionamento das partes com o todo de um organismo vivo, é possível de se explicar apenas na observação das substâncias e suas características físicas, químicas.
Uma vida sem o relacionamento com o cosmo, voltada somente para a Terra, deixa de existir, se torna matéria morta. As plantas, recém-criadas no terceiro dia, necessitam e tem um relacionamento com o cosmo. Este se revela no quarto dia como Sol, Lua e estrelas, que regem e ordenam as forças cósmicas que atuam na Terra.
Esse fato que é válido para todo o ser vivo, a necessidade de um relacionamento com o cosmo, tem também uma validade para nós, em um âmbito anímico. Tanto os animais, quanto nós, seres humanos, temos, atuando em nossas almas, instintos. Nos animais, os instintos estão conectados com o cosmo e são dirigidos por uma grande sabedoria. Também em nós atua uma sabedoria cósmica por meio dos instintos. Mas, em parte, nossos instintos já se emanciparam dessa sabedoria. Isso é necessário para que possamos desenvolver a liberdade. Se nós fôssemos dirigidos por instintos sábios como o são os animais, nunca seria possível sermos livres e tomarmos decisões próprias.
A conquista da liberdade pagamos com a perda dos instintos sábios. Mas, assim, recebemos a tarefa de dirigir, nós mesmos, os nossos instintos. Temos agora a responsabilidade de colocar as forças instintivas em nós, em conexão com os ideais cósmicos da evolução da humanidade. Aquilo que antes da liberdade atuava como sabedoria instintiva, tem agora de, conscientemente, ser direcionado para os ideais humanos que podemos reconhecer e cultivar em nossas almas.
Além do ideal de liberdade, o ser humano atingirá sua meta de desenvolvimento realizando, por decisão própria, o ideal de querer aprender a amar. Parte desse ideal do amor está ligado com o instinto da sexualidade. Podemos ver quanta sabedoria rege o instinto da sexualidade no reino animal. Mas pelo fato de ser apenas instintivo e não chegar ao nível humano da liberdade, no reino animal o instinto da sexualidade serve apenas à necessidade de reprodução.
No reino humano o instinto da sexualidade serve também à necessidade da reprodução. Mas não somente a isso. Como ele já chegou muito ao nível da liberdade, ele serve muito mais à formação de um relacionamento entre duas pessoas. E aqui vemos, tal como ocorre nas plantas em um nível biológico, a necessidade de um relacionamento com o cosmo em um nível anímico. Se a sexualidade se volta realmente somente para o corpo e o indivíduo usa o outro para a satisfação de desejos próprios, caímos abaixo do nível humano, nos tornamos desumanos, piores do que um animal.
Mas se, a partir das vivências sensoriais, procuramos o relacionamento anímico com o outro, percebemos a essência espiritual da individualidade do outro, com quem queremos nos unir, e temos o impulso de aprende a amar, no nível do corpo, da alma e do espírito, elevamos, então, o encontro entre duas pessoas ao nível humano.
Percebemos então que o encontro corporal na sexualidade é uma forma de relacionamento que somente recebe o seu sentido humano se for elevado ao nível anímico-espiritual. E que o nível anímico-espiritual do amor também é possível sem o relacionamento corporal. No instinto sexual está como que “escondido” o impulso do amor. No aprender a amar elevamos o instinto sexual e o libertamos da dependência corporal, tornando-o realmente humano.
Na Quarta-feira Santa, Jesus Cristo estava em Betânia. Maria Madalena se aproxima dele trazendo um frasco de alabastro com um óleo perfumado e precioso. Então, com o óleo, realizou algo como um sacramento, ungindo o corpo de Jesus Cristo. Maria Madalena é a personagem nos Evangelhos relacionada às forças instintivas da sexualidade. Sua biografia a levou a viver essas forças em uma esfera apenas corporal, sem um relacionamento humano, anímico-espiritual, na esfera da prostituição. Maria Madalena aprendeu a superar as forças demoníacas que podem atuar através da sexualidade e aprendeu a transformar essas forças em verdadeiras forças de amor humano. Foi ela que chegou até o ponto de criar, pela qualidade do óleo, um relacionamento de amor humano com o Jesus Cristo,
Da Quarta-feira Santa e, em especial, de Maria Madalena, podemos aprender que temos, como tarefa, dominar os demônios que começam a atuar quando os nossos instintos se emancipam da sabedoria cósmica e entram na esfera da liberdade. E não apenas os instintos sexuais. E que temos a tarefa de conscientemente nos unirmos com os ideais humanos e direcionar nossas forças instintivas para que sejam guiadas por esses ideais e, assim, nossos relacionamentos se tornem sempre mais atos de amor.

João F. Torunsky

Curso de Imersão: Terça-feira Santa

No terceiro dia da criação as águas que estão abaixo do firmamento prosseguem no processo de densificação, de se aglomerarem, fazendo surgir assim uma nova polaridade: os continentes e os mares.
Temos agora três polaridades: luz e trevas, céu e terra, continentes e mares.
Toda polaridade possui a tendência de se tornar uma oposição e formar algo destrutivo, ou de se complementar e formar algo positivo. Isso já conhecemos das forças físicas, por exemplo, a eletricidade. Na tomada elétrica temos dois polos. Se unirmos diretamente os dois polos acontecerá um curto circuito com uma enorme força destrutiva. Mas podemos também ligar um aparelho elétrico na tomada e obter um uso positivo da eletricidade.
Essas duas possibilidades para uma polaridade se repetem também no âmbito social. Pessoas com pontos de vista ou modos de ser distintos podem criar um conflito ou se complementarem para realizar melhor uma tarefa.
Nesse terceiro dia da criação a potência das polaridades se revela, em sua forma mais elevada, na possibilidade de criar vida: as plantas são criadas. A vida necessita das polaridades entre luz e trevas, entre céu e terra, entre solo e água. A própria vida se desenvolve em ritmos polares entre crescer e fenecer. Podemos ver três fases em um ritmo de vida: a fase do germinar, crescer, se desenvolver, a fase do florescer, dar frutos e amadurecer e a fase do murchar, perecer. Mas o ritmo se renova, se nos frutos se formaram sementes para garantir um futuro. Tentar manter o estado presente, por medo de perder o estado da vida atual, seria como mumificar a forma. Se manteria a forma, mas se perderia a vida. Seguir vivendo sem a possibilidade de gerar sementes no presente para o futuro, seria desfrutar o prazer de viver sem ter a responsabilidade pelo futuro. Um dia a vida acabará e o ciclo não se renovará.
Desde o início da criação a natureza traz em si a sabedoria de formar um equilíbrio entre as três fases da vida: gerar – frutificar – renovar. Mas essas três fases não são válidas somente para as distintas formas de vida: elas são válidas também para a Terra como um todo. No Gênesis temos o relato de como o céu e a terra foram criados. Mas no Evangelho temos as palavras que céu e terra não perdurarão para sempre. Um dia, céu e terra perecerão. A questão será se, na história da humanidade, surgiram sementes para a criação de uma nova realidade. Este é o impulso do Cristo: semear em cada um de nós a semente para a formação de uma nova realidade futura.
E aqui temos, no nível espiritual mais elevado, dois problemas com os ritmos da vida. O impulso futuro que o Cristo quer trazer, pode nos passar desapercebido e assim não despertamos para a necessidade e a responsabilidade de criar sementes para o futuro. Ou então, não queremos abrir mão da forma de vida que temos, queremos conservar o que se criou no passado e nos colocamos em oposição, em conflito com o que vem do futuro.
Esta é a atmosfera da Terça-feira Santa. Quando nesse dia, Jesus Cristo retorna à Jerusalém, o esperam diversos grupos que iniciam uma discussão, uma provocação. São colocadas perguntas irônicas, na tentativa de encontrar uma justificativa para acusá-lo e prendê-lo. Mas por trás de todo o conflito da Terça-feira Santa está a polaridade entre o passado e o futuro.
Os representantes da cultura, da religião e da política incorporam aqueles que querem manter as formas de vida criadas desde o passado. Jesus Cristo traz um impulso para o futuro. Para que a polaridade entre passado e futuro se torne construtiva, é necessário ter gratidão pelo passado e reconhecer que é necessário abrir mão do que se tem, entrar em uma zona de insegurança e ter a coragem de tentar realizar algo novo.
O conflito surge pela impossibilidade de reconhecer a validade do impulso futuro e no medo e insegurança de entrar em uma zona desconhecida. Então se desenvolve a agressão. Os escribas, fariseus e saduceus têm, na realidade, medo do que vem como novo impulso a partir do Jesus Cristo. E por isso se tornam agressivos e tem ódio.
Da Terça-feira Santa podemos aprender duas coisas. Se nós nos ligamos com um impulso espiritual para o futuro da humanidade, com certeza iremos, em algum momento, nos confrontarmos com inimigos. Nenhum impulso para a formação de um futuro é acolhido somente com apoio. E, na realidade, não são as pessoas que individualmente são contrárias aos impulso futuros. Existem forças no mundo que querem manter o passado, que não admitem a atuação do Cristo. As pessoas tornam-se muitas vezes instrumentos dessas forças.
A segunda coisa que podemos aprender da Terça-feira Santa é quando nos tornamos inimigos de impulsos que querem criar um futuro. Sempre podemos encontrar argumentos para justificar a impossibilidade de fazer algo novo, e por que é importante manter aquilo que sempre tivemos. Mas, nesses momentos, podemos ser honestos com nós mesmos e perguntarmos se os nossos argumentos, a nossa antipatia, a nossa agressão, no fim das contas, não teria a sua origem no medo. Medo de perder a forma de vida atual, medo de viver na insegurança, medo do risco que o futuro traz consigo.
Para criar uma realidade futura temos de aprender a formar algo construtivo a partir de polaridades entre nós, a superar o medo de perder a segurança que criamos no passado, reconhecer os impulsos que podem formar um futuro e nos colocar à disposição de servir esse futuro.

João F. Torunsky

Curso de Imersão: Segunda-feira Santa

No segundo dia da criação Deus criou o firmamento, no meio das águas. E assim separou as águas, que estavam acima do firmamento, das águas que estavam abaixo do firmamento. É a segunda polaridade que foi criada. A primeira foi a polaridade entre luz e trevas, dia e noite. A segunda, agora, é a polaridade entre o que está acima e o que está abaixo do firmamento. É o que definimos como a polaridade entre o céu e a terra, ou o mundo espiritual e o mundo material.
Nesse princípio da criação temos ainda que pensar tudo como sendo uma realidade espiritual e não como realidade material tal como a vivenciamos hoje. Mas, nesses primórdios, encontramos os impulsos que levarão à formação da nossa realidade de hoje. É importante notar que, nessas imaginações do Gênesis, fica claro que o mundo espiritual e o mundo material, na sua “substância”, não são distintos entre si: ambos são “água”. Mas, no decorrer dos próximos passos da criação, se tornará claro que as águas que ficaram abaixo do firmamento vão seguir um caminho de densificação, de secarem e se tornarem terra, matéria. Será a base para a formação da vida, das plantas, dos animais e dos seres humanos. Essa base se tornará a Terra na qual estamos encarnados.
E, encarnados nessa Terra, estamos “abaixo” do firmamento, separados do reino “acima” do firmamento. Isto se reflete no desenvolvimento da consciência da humanidade, que cada vez mais, despertou para a realidade do mundo material e, no decorrer do tempo, sempre mais perdeu a consciência para o mundo espiritual.
Nos primórdios da história da humanidade, ainda havia a possibilidade de haver uma consciência e experiências desse lado espiritual do mundo, “acima” do firmamento. Era como um dom natural, assim como nós hoje olhamos para a natureza e vemos as cores das coisas. Nascemos com esse dom e é uma forma de anomalia alguém que não percebe as cores. Assim era para as pessoas com a percepção do lado espiritual do mundo. Essa possibilidade foi se perdendo, sempre menos pessoas conseguiam perceber o lado espiritual do mundo. Como se nós, sempre mais, vivenciássemos o mundo em preto e branco, sem cores. O conhecimento da essência espiritual do mundo passou a ser ensinado de uma forma narrativa, por mitos, lendas e histórias. Se desenvolveu então um caminho de aprendizado para exercitar a percepção espiritual, e cada vez mais, se procurou a vivência da essência espiritual, não mais na natureza, mas no íntimo da própria alma.
A polaridade entre uma realidade espiritual “acima” do firmamento e uma realidade material “abaixo” do firmamento, sempre foi mais vivenciada como a polaridade entre uma realidade material fora de nós, no mundo, e a procura de uma realidade espiritual dentro do íntimo da própria alma. Se nos primórdios da humanidade, a realidade espiritual era buscada, vivenciada na natureza, o caminho se tornou sempre mais o exercício de se fechar para as percepções sensoriais e aprender a encontrar a realidade espiritual em si mesmo, no íntimo da alma, em um caminho de exercícios de meditação. Talvez o mais conhecido, hoje em dia, seja o caminho budista, onde se vê como meta superar a necessidade de se encarnar, se livrar dos sofrimentos de se estar encarnado na Terra e voltar a viver no âmbito espiritual, nas águas acima do firmamento.
A figueira tornou-se um símbolo para esse caminho de uma procura interior. A história do Buda narra que ele recebeu sua iluminação sentado embaixo de uma figueira.
Para compreender o porquê a figueira é o símbolo desse caminho interior, é necessário olhar para a fisiologia botânica dessa árvore. Normalmente uma planta forma botões que florescem e se abrem para o mundo. Todos nós apreciamos muito olhar uma flor, como, por exemplo, um girassol. Na realidade, um girassol não é uma só flor, mas dezenas de flores. O girassol forma um botão que se abre como um solo para muitas flores. Cada pétala pequena em um girassol é uma flor em si. Quando o botão do girassol se abre para o mundo, para o céu, para o sol, insetos vêm e polinizam as flores, e de cada flor surge uma semente.
Agora, se imaginamos um girassol, cujo botão não florescesse se abrindo para o mundo, mas formando um espaço interno e as flores viradas para dentro, escondidas no seu interior, temos o princípio do figo. Quando comemos um figo, imaginamos que estamos comendo uma fruta como uma pera ou uma maçã. O figo, na realidade, é diferente. A carne do fruto é como o solo das flores. Os “tentáculos” no seu interior são como as flores do figo e os grãozinhos são o início da formação das sementes. Os figos têm uma pequena abertura, como um umbigo. Nos figos silvestres, de fato um inseto penetra nele e poliniza as flores no seu interior. Esse gesto do figo nos explica por que a figueira se tornou o símbolo de um caminho que procura se isolar do mundo e vivenciar o espiritual no próprio íntimo da alma.
Na segunda-feira da Semana Santa temos um relato muito enigmático. Jesus Cristo tinha fome e passou por uma figueira. Mas não era o tempo dos figos, e assim não encontrou nenhum fruto. Nesse momento Jesus Cristo diz para a figueira, que ela nunca mais dará frutos. E, no dia seguinte, os discípulos veem que a figueira secou. Essa narração só pode ser compreendida como sendo um exemplo imaginativo para o que é necessário para o desenvolvimento da humanidade.
Sempre mais a humanidade estava despertando para o mundo material. E o caminho que ela trilhou, levou a aprofundar a polaridade entre mundo espiritual e mundo material, criando cada vez mais a dualidade entre céu e terra. A partir dessa dualidade corremos o risco de nos ligarmos apenas com a terra, negando o mundo espiritual, como o fazem os materialistas. Ou, então, o risco de querermos voltar para o céu, negando o relacionamento com a Terra, como o faz um caminho espiritual unilateral.
O caminho espiritual antigo não teria a força de salvar a humanidade do perigo do materialismo, o perigo de perdermos a ligação com as nossas origens espirituais. Esse caminho antigo iria apenas satisfazer algumas pessoas na necessidade de vivenciar o espiritual no íntimo da sua alma, enquanto se forma uma cultura materialista na humanidade. Este caminho não é mais frutífero para a humanidade como um todo. A figueira não dará mais frutos no futuro.
A nossa atualidade é como a comprovação desse fato. Sempre mais se formou uma cultura materialista e sempre mais ela está se formando, apesar de que, ao mesmo tempo, cada vez mais pessoas procuram o caminho espiritual interior.
Para o indivíduo pode parecer frutífero procurar a realidade espiritual no íntimo da nossa própria alma. Mas para o futuro da humanidade esse caminho não é suficiente. É necessário superar a consciência da dualidade entre mundo espiritual e mundo material, a polaridade que se iniciou no segundo dia da criação.
É necessário superar a consciência que existem dois mundos, o céu e a terra, e sempre mais reconhecer que existe apenas um mundo com dois lados: um que se revela como aparência e outro, que é a própria essência.
Da segunda-feira da Semana Santa podemos aprender que querer seguir um caminho de vivência espiritual apenas no íntimo da nossa própria alma é, na realidade, uma forma sublimada de egoísmo, é o prazer que podemos vivenciar nessas vivências. Temos a tarefa de unir o mundo material com o mundo espiritual. Isso acontece pela nossa consciência, quando percebemos o mundo com os nossos órgãos de sentido bem atentos e procuramos prestar atenção para a essência espiritual que se revela como aparência, mas que, mesmo invisível, está presente em tudo e em todos.
O Ato Dominical para as crianças nos mostra como superar a unilateralidade do caminho da figueira. Temos que florescer para o mundo e não para dentro de nós mesmos.

“Agora elevamos os pensamentos e sentimentos para o Espírito.
Para o Espírito que vive e atua,
Que vive e atua em pedras, plantas e animais;
Que vive e atua nos pensamentos e ações humanos.
Que atua em tudo quanto atua.
Que vive em tudo quanto vive. ”

João F. Torunsky

Curso de Imersão: Domingo de Ramos

No primeiro dia da criação, Deus criou a luz, separou a luz das trevas e surgiram o dia e a noite. Mas antes da criação da luz só existiam trevas. E podemos nos perguntar: onde estava Deus? Ele estava nas trevas! E onde estava a luz? Ela estava em Deus! E para que a luz pudesse ser criada, ela teve que “sair” de Deus, teve que ser expressada, falada. Deus disse: “Haja luz” e houve luz. E Deus separou a luz e as trevas.
Normalmente quando falamos de luz e de trevas simplificamos muito a realidade. Vemos a polaridade entre luz e trevas e associamos a luz com o bem e as trevas com o mal. A verdade não é tão simples.
No princípio temos as trevas como a origem de tudo. E o Divino está nas trevas. Todo o impulso de criação surge da fonte vital das trevas. Um pouco desta qualidade primordial das trevas podemos vivencia todos os dias quando dormimos. A noite tem a qualidade das trevas. E quando dormimos um sono sadio vivenciamos a fonte revitalizante da noite, da escuridão, da inconsciência.
No princípio temos a luz como uma realidade no interior de Deus. Não é a luz exterior como a luz do sol que vivenciamos todos os dias. Um pouco dessa qualidade primordial da luz podemos vivenciar quando, bem despertos, fechamos os olhos para a luz exterior do mundo, nos concentramos no espaço escuro da nossa própria alma e oramos ou meditamos. Às vezes podemos vivenciar que, em nós mesmos, existe uma luz interior que pode ser a fonte de uma consciência elevada.
Com a criação da luz e a separação da luz e das trevas surgem na realidade duas qualidades de luz e três qualidades de trevas. Quando Deus disse: “Haja luz” Ele criou a partir da luz do seu íntimo uma luz que é expressão da luz que, por sua vez, é aparência e que revela a aparência do mundo. A luz no íntimo de Deus é essência divina, é una com o ser divino. A luz criada como expressão não tem essência divina, não é ser, e não revela a essência, o ser divino primordial do mundo. Ela só revela a aparência das coisas.
Com a criação da luz surgem três qualidades das trevas. Continuam existindo as trevas primordiais, como fonte de tudo onde Deus está. Mas no âmbito da luz criada existe agora as trevas que refletem a luz e se tornam aparência e existe também as trevas que não se ligam com a luz, se separam da luz e se tornam trevas ausentes do divino. O que parece ser aqui muito abstrato é, na realidade, a nossa vivência com todo o mundo material. A matéria tem essas duas possibilidades: ela pode refletir a luz e revelar sua aparência, ou ela pode impedir que a luz a transpasse, formando uma sombra.
No mundo material temos somente trevas. Durante o dia, quando a luz do sol ilumina o mundo, temos na realidade trevas que revelam a aparência da luz. Durante a noite, quando estamos despertos, vivenciamos a escuridão ausente de luz, pois a Terra impede que a luz do Sol a transpasse.
A qualidade primordial das trevas é aquilo que chamamos de mundo espiritual, onde encontramos a essência divina de tudo e de todos, onde a luz não é aparência mas potência íntima. No nosso dia a dia vivemos numa realidade onde a luz é somente expressão, e as trevas são aparência de luz ou algo separado da luz. A meta para a criação de uma nova realidade é encontrar em nós a luz que não seja mera aparência e religar as trevas que vivem em nós com essa luz primordial.
No domingo de Ramos Jesus entrou em Jerusalém cavalgando uma jumenta. Desde a sua infância os judeus aprendiam o conteúdo do Antigo Testamento. Todos sabiam de cor a profecia de que um dia o Cristo viria para salvar o povo de Israel. Todos sabiam que ele entraria em Jerusalém montado em uma jumenta. E a partir dessa profecia eles esperavam a vinda do Cristo e tinham  a esperança de que Ele iria refazer o reino de Israel, também de uma forma política, militar, libertando o povo do domínio romano, que na época existia.
Quando o povo vê Jesus entrando em Jerusalém montado em uma jumenta, se misturam duas coisas nas suas almas.
Por um lado eles tem um verdadeiro presságio que Jesus é o Cristo. Por outro lado a aparência do acontecimento os leva a recordar o que tinham aprendido no passado e alimenta a esperança de que se realizará um futuro tal como eles haviam imaginado.
O verdadeiro presságio que Jesus é o Cristo os leva a gritar: Hosana! Mas lhes falta a possibilidade de se abrir realmente para o futuro que será formado pelo Cristo. Ficam como que aprisionados em pré-conceitos que haviam formado, de como seria esse futuro imaginado, como seria o reino do Cristo. E a decepção de que isso não se realizou da forma esperada é enorme e os levará cinco dias depois a gritar: “Crucifique-o!”
O domingo de Ramos pode nos ensinar que vivemos em um mundo de aparências e não de uma realidade espiritual divina. Mas é nesse mundo de aparências que podemos estar despertos, conscientes.
Apesar do mundo ser aparência é possível ter um presságio do ser divino que se revela pela luz exterior como aparência, mas tem, em si, a fonte da luz espiritual. É possível em Jesus ter um pressentimento do Cristo. Mas também é possível em cada pedra, planta, animal, em cada ser humano, vivenciar a sua aparência e procurar prestar atenção, pressentir o divino que está em tudo e em todos. Tudo o que é revelação, aparência e que nos permite ser conscientes e aprender nesse mundo, está ligado ao passado. E a partir de nossas experiências começamos a imaginar como será o futuro.
O segundo ensinamento que podemos ter do Domingo de Ramos nos mostra que não é possível saber o que será o futuro a partir da nossa intelectualidade. O passado se formou pela luz que se tornou aparência. O futuro se forma pela luz que está no íntimo do Divino, que está nas trevas primordiais. Este futuro não é possível imaginar, só é possível  pressentir.
Talvez possamos colocar como moto, para o Domingo de Ramos e para a criação de uma nova realidade, a tarefa de desenvolver sempre mais na alma a qualidade de um presságio objetivo: aprender a pressentir no visível material a presença do invisível espiritual. Aprender a superar a expectativa da realização de uma imagem do futuro criada por nós mesmos, e tingida pelo nosso egoísmo e pressentir sempre mais o futuro que está vindo ao nosso encontro permeado da sabedoria divina, no qual temos a tarefa de sermos co-criadores.

João F. Torunsky