Curso de Imersão: Terça-feira Santa

No terceiro dia da criação as águas que estão abaixo do firmamento prosseguem no processo de densificação, de se aglomerarem, fazendo surgir assim uma nova polaridade: os continentes e os mares.
Temos agora três polaridades: luz e trevas, céu e terra, continentes e mares.
Toda polaridade possui a tendência de se tornar uma oposição e formar algo destrutivo, ou de se complementar e formar algo positivo. Isso já conhecemos das forças físicas, por exemplo, a eletricidade. Na tomada elétrica temos dois polos. Se unirmos diretamente os dois polos acontecerá um curto circuito com uma enorme força destrutiva. Mas podemos também ligar um aparelho elétrico na tomada e obter um uso positivo da eletricidade.
Essas duas possibilidades para uma polaridade se repetem também no âmbito social. Pessoas com pontos de vista ou modos de ser distintos podem criar um conflito ou se complementarem para realizar melhor uma tarefa.
Nesse terceiro dia da criação a potência das polaridades se revela, em sua forma mais elevada, na possibilidade de criar vida: as plantas são criadas. A vida necessita das polaridades entre luz e trevas, entre céu e terra, entre solo e água. A própria vida se desenvolve em ritmos polares entre crescer e fenecer. Podemos ver três fases em um ritmo de vida: a fase do germinar, crescer, se desenvolver, a fase do florescer, dar frutos e amadurecer e a fase do murchar, perecer. Mas o ritmo se renova, se nos frutos se formaram sementes para garantir um futuro. Tentar manter o estado presente, por medo de perder o estado da vida atual, seria como mumificar a forma. Se manteria a forma, mas se perderia a vida. Seguir vivendo sem a possibilidade de gerar sementes no presente para o futuro, seria desfrutar o prazer de viver sem ter a responsabilidade pelo futuro. Um dia a vida acabará e o ciclo não se renovará.
Desde o início da criação a natureza traz em si a sabedoria de formar um equilíbrio entre as três fases da vida: gerar – frutificar – renovar. Mas essas três fases não são válidas somente para as distintas formas de vida: elas são válidas também para a Terra como um todo. No Gênesis temos o relato de como o céu e a terra foram criados. Mas no Evangelho temos as palavras que céu e terra não perdurarão para sempre. Um dia, céu e terra perecerão. A questão será se, na história da humanidade, surgiram sementes para a criação de uma nova realidade. Este é o impulso do Cristo: semear em cada um de nós a semente para a formação de uma nova realidade futura.
E aqui temos, no nível espiritual mais elevado, dois problemas com os ritmos da vida. O impulso futuro que o Cristo quer trazer, pode nos passar desapercebido e assim não despertamos para a necessidade e a responsabilidade de criar sementes para o futuro. Ou então, não queremos abrir mão da forma de vida que temos, queremos conservar o que se criou no passado e nos colocamos em oposição, em conflito com o que vem do futuro.
Esta é a atmosfera da Terça-feira Santa. Quando nesse dia, Jesus Cristo retorna à Jerusalém, o esperam diversos grupos que iniciam uma discussão, uma provocação. São colocadas perguntas irônicas, na tentativa de encontrar uma justificativa para acusá-lo e prendê-lo. Mas por trás de todo o conflito da Terça-feira Santa está a polaridade entre o passado e o futuro.
Os representantes da cultura, da religião e da política incorporam aqueles que querem manter as formas de vida criadas desde o passado. Jesus Cristo traz um impulso para o futuro. Para que a polaridade entre passado e futuro se torne construtiva, é necessário ter gratidão pelo passado e reconhecer que é necessário abrir mão do que se tem, entrar em uma zona de insegurança e ter a coragem de tentar realizar algo novo.
O conflito surge pela impossibilidade de reconhecer a validade do impulso futuro e no medo e insegurança de entrar em uma zona desconhecida. Então se desenvolve a agressão. Os escribas, fariseus e saduceus têm, na realidade, medo do que vem como novo impulso a partir do Jesus Cristo. E por isso se tornam agressivos e tem ódio.
Da Terça-feira Santa podemos aprender duas coisas. Se nós nos ligamos com um impulso espiritual para o futuro da humanidade, com certeza iremos, em algum momento, nos confrontarmos com inimigos. Nenhum impulso para a formação de um futuro é acolhido somente com apoio. E, na realidade, não são as pessoas que individualmente são contrárias aos impulso futuros. Existem forças no mundo que querem manter o passado, que não admitem a atuação do Cristo. As pessoas tornam-se muitas vezes instrumentos dessas forças.
A segunda coisa que podemos aprender da Terça-feira Santa é quando nos tornamos inimigos de impulsos que querem criar um futuro. Sempre podemos encontrar argumentos para justificar a impossibilidade de fazer algo novo, e por que é importante manter aquilo que sempre tivemos. Mas, nesses momentos, podemos ser honestos com nós mesmos e perguntarmos se os nossos argumentos, a nossa antipatia, a nossa agressão, no fim das contas, não teria a sua origem no medo. Medo de perder a forma de vida atual, medo de viver na insegurança, medo do risco que o futuro traz consigo.
Para criar uma realidade futura temos de aprender a formar algo construtivo a partir de polaridades entre nós, a superar o medo de perder a segurança que criamos no passado, reconhecer os impulsos que podem formar um futuro e nos colocar à disposição de servir esse futuro.

João F. Torunsky