Curso de Imersão: Segunda-feira Santa

No segundo dia da criação Deus criou o firmamento, no meio das águas. E assim separou as águas, que estavam acima do firmamento, das águas que estavam abaixo do firmamento. É a segunda polaridade que foi criada. A primeira foi a polaridade entre luz e trevas, dia e noite. A segunda, agora, é a polaridade entre o que está acima e o que está abaixo do firmamento. É o que definimos como a polaridade entre o céu e a terra, ou o mundo espiritual e o mundo material.
Nesse princípio da criação temos ainda que pensar tudo como sendo uma realidade espiritual e não como realidade material tal como a vivenciamos hoje. Mas, nesses primórdios, encontramos os impulsos que levarão à formação da nossa realidade de hoje. É importante notar que, nessas imaginações do Gênesis, fica claro que o mundo espiritual e o mundo material, na sua “substância”, não são distintos entre si: ambos são “água”. Mas, no decorrer dos próximos passos da criação, se tornará claro que as águas que ficaram abaixo do firmamento vão seguir um caminho de densificação, de secarem e se tornarem terra, matéria. Será a base para a formação da vida, das plantas, dos animais e dos seres humanos. Essa base se tornará a Terra na qual estamos encarnados.
E, encarnados nessa Terra, estamos “abaixo” do firmamento, separados do reino “acima” do firmamento. Isto se reflete no desenvolvimento da consciência da humanidade, que cada vez mais, despertou para a realidade do mundo material e, no decorrer do tempo, sempre mais perdeu a consciência para o mundo espiritual.
Nos primórdios da história da humanidade, ainda havia a possibilidade de haver uma consciência e experiências desse lado espiritual do mundo, “acima” do firmamento. Era como um dom natural, assim como nós hoje olhamos para a natureza e vemos as cores das coisas. Nascemos com esse dom e é uma forma de anomalia alguém que não percebe as cores. Assim era para as pessoas com a percepção do lado espiritual do mundo. Essa possibilidade foi se perdendo, sempre menos pessoas conseguiam perceber o lado espiritual do mundo. Como se nós, sempre mais, vivenciássemos o mundo em preto e branco, sem cores. O conhecimento da essência espiritual do mundo passou a ser ensinado de uma forma narrativa, por mitos, lendas e histórias. Se desenvolveu então um caminho de aprendizado para exercitar a percepção espiritual, e cada vez mais, se procurou a vivência da essência espiritual, não mais na natureza, mas no íntimo da própria alma.
A polaridade entre uma realidade espiritual “acima” do firmamento e uma realidade material “abaixo” do firmamento, sempre foi mais vivenciada como a polaridade entre uma realidade material fora de nós, no mundo, e a procura de uma realidade espiritual dentro do íntimo da própria alma. Se nos primórdios da humanidade, a realidade espiritual era buscada, vivenciada na natureza, o caminho se tornou sempre mais o exercício de se fechar para as percepções sensoriais e aprender a encontrar a realidade espiritual em si mesmo, no íntimo da alma, em um caminho de exercícios de meditação. Talvez o mais conhecido, hoje em dia, seja o caminho budista, onde se vê como meta superar a necessidade de se encarnar, se livrar dos sofrimentos de se estar encarnado na Terra e voltar a viver no âmbito espiritual, nas águas acima do firmamento.
A figueira tornou-se um símbolo para esse caminho de uma procura interior. A história do Buda narra que ele recebeu sua iluminação sentado embaixo de uma figueira.
Para compreender o porquê a figueira é o símbolo desse caminho interior, é necessário olhar para a fisiologia botânica dessa árvore. Normalmente uma planta forma botões que florescem e se abrem para o mundo. Todos nós apreciamos muito olhar uma flor, como, por exemplo, um girassol. Na realidade, um girassol não é uma só flor, mas dezenas de flores. O girassol forma um botão que se abre como um solo para muitas flores. Cada pétala pequena em um girassol é uma flor em si. Quando o botão do girassol se abre para o mundo, para o céu, para o sol, insetos vêm e polinizam as flores, e de cada flor surge uma semente.
Agora, se imaginamos um girassol, cujo botão não florescesse se abrindo para o mundo, mas formando um espaço interno e as flores viradas para dentro, escondidas no seu interior, temos o princípio do figo. Quando comemos um figo, imaginamos que estamos comendo uma fruta como uma pera ou uma maçã. O figo, na realidade, é diferente. A carne do fruto é como o solo das flores. Os “tentáculos” no seu interior são como as flores do figo e os grãozinhos são o início da formação das sementes. Os figos têm uma pequena abertura, como um umbigo. Nos figos silvestres, de fato um inseto penetra nele e poliniza as flores no seu interior. Esse gesto do figo nos explica por que a figueira se tornou o símbolo de um caminho que procura se isolar do mundo e vivenciar o espiritual no próprio íntimo da alma.
Na segunda-feira da Semana Santa temos um relato muito enigmático. Jesus Cristo tinha fome e passou por uma figueira. Mas não era o tempo dos figos, e assim não encontrou nenhum fruto. Nesse momento Jesus Cristo diz para a figueira, que ela nunca mais dará frutos. E, no dia seguinte, os discípulos veem que a figueira secou. Essa narração só pode ser compreendida como sendo um exemplo imaginativo para o que é necessário para o desenvolvimento da humanidade.
Sempre mais a humanidade estava despertando para o mundo material. E o caminho que ela trilhou, levou a aprofundar a polaridade entre mundo espiritual e mundo material, criando cada vez mais a dualidade entre céu e terra. A partir dessa dualidade corremos o risco de nos ligarmos apenas com a terra, negando o mundo espiritual, como o fazem os materialistas. Ou, então, o risco de querermos voltar para o céu, negando o relacionamento com a Terra, como o faz um caminho espiritual unilateral.
O caminho espiritual antigo não teria a força de salvar a humanidade do perigo do materialismo, o perigo de perdermos a ligação com as nossas origens espirituais. Esse caminho antigo iria apenas satisfazer algumas pessoas na necessidade de vivenciar o espiritual no íntimo da sua alma, enquanto se forma uma cultura materialista na humanidade. Este caminho não é mais frutífero para a humanidade como um todo. A figueira não dará mais frutos no futuro.
A nossa atualidade é como a comprovação desse fato. Sempre mais se formou uma cultura materialista e sempre mais ela está se formando, apesar de que, ao mesmo tempo, cada vez mais pessoas procuram o caminho espiritual interior.
Para o indivíduo pode parecer frutífero procurar a realidade espiritual no íntimo da nossa própria alma. Mas para o futuro da humanidade esse caminho não é suficiente. É necessário superar a consciência da dualidade entre mundo espiritual e mundo material, a polaridade que se iniciou no segundo dia da criação.
É necessário superar a consciência que existem dois mundos, o céu e a terra, e sempre mais reconhecer que existe apenas um mundo com dois lados: um que se revela como aparência e outro, que é a própria essência.
Da segunda-feira da Semana Santa podemos aprender que querer seguir um caminho de vivência espiritual apenas no íntimo da nossa própria alma é, na realidade, uma forma sublimada de egoísmo, é o prazer que podemos vivenciar nessas vivências. Temos a tarefa de unir o mundo material com o mundo espiritual. Isso acontece pela nossa consciência, quando percebemos o mundo com os nossos órgãos de sentido bem atentos e procuramos prestar atenção para a essência espiritual que se revela como aparência, mas que, mesmo invisível, está presente em tudo e em todos.
O Ato Dominical para as crianças nos mostra como superar a unilateralidade do caminho da figueira. Temos que florescer para o mundo e não para dentro de nós mesmos.

“Agora elevamos os pensamentos e sentimentos para o Espírito.
Para o Espírito que vive e atua,
Que vive e atua em pedras, plantas e animais;
Que vive e atua nos pensamentos e ações humanos.
Que atua em tudo quanto atua.
Que vive em tudo quanto vive. ”

João F. Torunsky