Curso de Imersão: Domingo de Ramos

No primeiro dia da criação, Deus criou a luz, separou a luz das trevas e surgiram o dia e a noite. Mas antes da criação da luz só existiam trevas. E podemos nos perguntar: onde estava Deus? Ele estava nas trevas! E onde estava a luz? Ela estava em Deus! E para que a luz pudesse ser criada, ela teve que “sair” de Deus, teve que ser expressada, falada. Deus disse: “Haja luz” e houve luz. E Deus separou a luz e as trevas.
Normalmente quando falamos de luz e de trevas simplificamos muito a realidade. Vemos a polaridade entre luz e trevas e associamos a luz com o bem e as trevas com o mal. A verdade não é tão simples.
No princípio temos as trevas como a origem de tudo. E o Divino está nas trevas. Todo o impulso de criação surge da fonte vital das trevas. Um pouco desta qualidade primordial das trevas podemos vivencia todos os dias quando dormimos. A noite tem a qualidade das trevas. E quando dormimos um sono sadio vivenciamos a fonte revitalizante da noite, da escuridão, da inconsciência.
No princípio temos a luz como uma realidade no interior de Deus. Não é a luz exterior como a luz do sol que vivenciamos todos os dias. Um pouco dessa qualidade primordial da luz podemos vivenciar quando, bem despertos, fechamos os olhos para a luz exterior do mundo, nos concentramos no espaço escuro da nossa própria alma e oramos ou meditamos. Às vezes podemos vivenciar que, em nós mesmos, existe uma luz interior que pode ser a fonte de uma consciência elevada.
Com a criação da luz e a separação da luz e das trevas surgem na realidade duas qualidades de luz e três qualidades de trevas. Quando Deus disse: “Haja luz” Ele criou a partir da luz do seu íntimo uma luz que é expressão da luz que, por sua vez, é aparência e que revela a aparência do mundo. A luz no íntimo de Deus é essência divina, é una com o ser divino. A luz criada como expressão não tem essência divina, não é ser, e não revela a essência, o ser divino primordial do mundo. Ela só revela a aparência das coisas.
Com a criação da luz surgem três qualidades das trevas. Continuam existindo as trevas primordiais, como fonte de tudo onde Deus está. Mas no âmbito da luz criada existe agora as trevas que refletem a luz e se tornam aparência e existe também as trevas que não se ligam com a luz, se separam da luz e se tornam trevas ausentes do divino. O que parece ser aqui muito abstrato é, na realidade, a nossa vivência com todo o mundo material. A matéria tem essas duas possibilidades: ela pode refletir a luz e revelar sua aparência, ou ela pode impedir que a luz a transpasse, formando uma sombra.
No mundo material temos somente trevas. Durante o dia, quando a luz do sol ilumina o mundo, temos na realidade trevas que revelam a aparência da luz. Durante a noite, quando estamos despertos, vivenciamos a escuridão ausente de luz, pois a Terra impede que a luz do Sol a transpasse.
A qualidade primordial das trevas é aquilo que chamamos de mundo espiritual, onde encontramos a essência divina de tudo e de todos, onde a luz não é aparência mas potência íntima. No nosso dia a dia vivemos numa realidade onde a luz é somente expressão, e as trevas são aparência de luz ou algo separado da luz. A meta para a criação de uma nova realidade é encontrar em nós a luz que não seja mera aparência e religar as trevas que vivem em nós com essa luz primordial.
No domingo de Ramos Jesus entrou em Jerusalém cavalgando uma jumenta. Desde a sua infância os judeus aprendiam o conteúdo do Antigo Testamento. Todos sabiam de cor a profecia de que um dia o Cristo viria para salvar o povo de Israel. Todos sabiam que ele entraria em Jerusalém montado em uma jumenta. E a partir dessa profecia eles esperavam a vinda do Cristo e tinham  a esperança de que Ele iria refazer o reino de Israel, também de uma forma política, militar, libertando o povo do domínio romano, que na época existia.
Quando o povo vê Jesus entrando em Jerusalém montado em uma jumenta, se misturam duas coisas nas suas almas.
Por um lado eles tem um verdadeiro presságio que Jesus é o Cristo. Por outro lado a aparência do acontecimento os leva a recordar o que tinham aprendido no passado e alimenta a esperança de que se realizará um futuro tal como eles haviam imaginado.
O verdadeiro presságio que Jesus é o Cristo os leva a gritar: Hosana! Mas lhes falta a possibilidade de se abrir realmente para o futuro que será formado pelo Cristo. Ficam como que aprisionados em pré-conceitos que haviam formado, de como seria esse futuro imaginado, como seria o reino do Cristo. E a decepção de que isso não se realizou da forma esperada é enorme e os levará cinco dias depois a gritar: “Crucifique-o!”
O domingo de Ramos pode nos ensinar que vivemos em um mundo de aparências e não de uma realidade espiritual divina. Mas é nesse mundo de aparências que podemos estar despertos, conscientes.
Apesar do mundo ser aparência é possível ter um presságio do ser divino que se revela pela luz exterior como aparência, mas tem, em si, a fonte da luz espiritual. É possível em Jesus ter um pressentimento do Cristo. Mas também é possível em cada pedra, planta, animal, em cada ser humano, vivenciar a sua aparência e procurar prestar atenção, pressentir o divino que está em tudo e em todos. Tudo o que é revelação, aparência e que nos permite ser conscientes e aprender nesse mundo, está ligado ao passado. E a partir de nossas experiências começamos a imaginar como será o futuro.
O segundo ensinamento que podemos ter do Domingo de Ramos nos mostra que não é possível saber o que será o futuro a partir da nossa intelectualidade. O passado se formou pela luz que se tornou aparência. O futuro se forma pela luz que está no íntimo do Divino, que está nas trevas primordiais. Este futuro não é possível imaginar, só é possível  pressentir.
Talvez possamos colocar como moto, para o Domingo de Ramos e para a criação de uma nova realidade, a tarefa de desenvolver sempre mais na alma a qualidade de um presságio objetivo: aprender a pressentir no visível material a presença do invisível espiritual. Aprender a superar a expectativa da realização de uma imagem do futuro criada por nós mesmos, e tingida pelo nosso egoísmo e pressentir sempre mais o futuro que está vindo ao nosso encontro permeado da sabedoria divina, no qual temos a tarefa de sermos co-criadores.

João F. Torunsky