Curso de Imersão: Quarta-feira Santa

No quarto dia da criação do mundo nos deparamos com um enigma. Já existe o dia e a noite, o firmamento, os continentes e os mares, as plantas. Mas ainda não existem o sol, a lua e as estrelas. Estes são criados no quarto dia. Este fato nos leva a prestar atenção de que as imaginações descritas no Gênesis são mal compreendidas se interpretadas de uma forma mágica. Como se Deus, por um ato mágico, tivesse criado as coisas do mundo, tal como as vivenciamos hoje.
Essa forma de compreensão errônea se encontra muitas vezes no que se convencionou chamar Criacionismo: a crença em um poder mágico divino. O mundo e os seres, tal como os encontramos hoje, são muito mais o fruto de um desenvolvimento de milhares e milhares de anos. Por outro lado, a compreensão do desenvolvimento do mundo corre o risco de se tornar materialista e entender todo o processo de desenvolvimento como algo que acontece por acaso. A realidade não é nem um Criacionismo mágico, nem um desenvolvimento ao acaso.
A grande tarefa do reconhecimento dos processos de evolução consiste em entender como processos físico-biológicos que acontecem na Terra estão influenciados pelas forças celestes. As imaginações relatadas no Gênesis são princípios espirituais necessários para a criação do mundo.
Nesse sentido podemos entender melhor por que somente depois da formação da vida na Terra é relatado sobre a criação do Sol, da Lua e das estrelas. Por que nenhuma vida é possível sem um relacionamento com o cosmo. As substâncias físicas que estão presentes nos seres vivos ainda poderíamos tentar entender como meramente matéria vinda da Terra. Mas nenhuma forma de ser vivo, nenhum processo vital, nenhuma harmonia do relacionamento das partes com o todo de um organismo vivo, é possível de se explicar apenas na observação das substâncias e suas características físicas, químicas.
Uma vida sem o relacionamento com o cosmo, voltada somente para a Terra, deixa de existir, se torna matéria morta. As plantas, recém-criadas no terceiro dia, necessitam e tem um relacionamento com o cosmo. Este se revela no quarto dia como Sol, Lua e estrelas, que regem e ordenam as forças cósmicas que atuam na Terra.
Esse fato que é válido para todo o ser vivo, a necessidade de um relacionamento com o cosmo, tem também uma validade para nós, em um âmbito anímico. Tanto os animais, quanto nós, seres humanos, temos, atuando em nossas almas, instintos. Nos animais, os instintos estão conectados com o cosmo e são dirigidos por uma grande sabedoria. Também em nós atua uma sabedoria cósmica por meio dos instintos. Mas, em parte, nossos instintos já se emanciparam dessa sabedoria. Isso é necessário para que possamos desenvolver a liberdade. Se nós fôssemos dirigidos por instintos sábios como o são os animais, nunca seria possível sermos livres e tomarmos decisões próprias.
A conquista da liberdade pagamos com a perda dos instintos sábios. Mas, assim, recebemos a tarefa de dirigir, nós mesmos, os nossos instintos. Temos agora a responsabilidade de colocar as forças instintivas em nós, em conexão com os ideais cósmicos da evolução da humanidade. Aquilo que antes da liberdade atuava como sabedoria instintiva, tem agora de, conscientemente, ser direcionado para os ideais humanos que podemos reconhecer e cultivar em nossas almas.
Além do ideal de liberdade, o ser humano atingirá sua meta de desenvolvimento realizando, por decisão própria, o ideal de querer aprender a amar. Parte desse ideal do amor está ligado com o instinto da sexualidade. Podemos ver quanta sabedoria rege o instinto da sexualidade no reino animal. Mas pelo fato de ser apenas instintivo e não chegar ao nível humano da liberdade, no reino animal o instinto da sexualidade serve apenas à necessidade de reprodução.
No reino humano o instinto da sexualidade serve também à necessidade da reprodução. Mas não somente a isso. Como ele já chegou muito ao nível da liberdade, ele serve muito mais à formação de um relacionamento entre duas pessoas. E aqui vemos, tal como ocorre nas plantas em um nível biológico, a necessidade de um relacionamento com o cosmo em um nível anímico. Se a sexualidade se volta realmente somente para o corpo e o indivíduo usa o outro para a satisfação de desejos próprios, caímos abaixo do nível humano, nos tornamos desumanos, piores do que um animal.
Mas se, a partir das vivências sensoriais, procuramos o relacionamento anímico com o outro, percebemos a essência espiritual da individualidade do outro, com quem queremos nos unir, e temos o impulso de aprende a amar, no nível do corpo, da alma e do espírito, elevamos, então, o encontro entre duas pessoas ao nível humano.
Percebemos então que o encontro corporal na sexualidade é uma forma de relacionamento que somente recebe o seu sentido humano se for elevado ao nível anímico-espiritual. E que o nível anímico-espiritual do amor também é possível sem o relacionamento corporal. No instinto sexual está como que “escondido” o impulso do amor. No aprender a amar elevamos o instinto sexual e o libertamos da dependência corporal, tornando-o realmente humano.
Na Quarta-feira Santa, Jesus Cristo estava em Betânia. Maria Madalena se aproxima dele trazendo um frasco de alabastro com um óleo perfumado e precioso. Então, com o óleo, realizou algo como um sacramento, ungindo o corpo de Jesus Cristo. Maria Madalena é a personagem nos Evangelhos relacionada às forças instintivas da sexualidade. Sua biografia a levou a viver essas forças em uma esfera apenas corporal, sem um relacionamento humano, anímico-espiritual, na esfera da prostituição. Maria Madalena aprendeu a superar as forças demoníacas que podem atuar através da sexualidade e aprendeu a transformar essas forças em verdadeiras forças de amor humano. Foi ela que chegou até o ponto de criar, pela qualidade do óleo, um relacionamento de amor humano com o Jesus Cristo,
Da Quarta-feira Santa e, em especial, de Maria Madalena, podemos aprender que temos, como tarefa, dominar os demônios que começam a atuar quando os nossos instintos se emancipam da sabedoria cósmica e entram na esfera da liberdade. E não apenas os instintos sexuais. E que temos a tarefa de conscientemente nos unirmos com os ideais humanos e direcionar nossas forças instintivas para que sejam guiadas por esses ideais e, assim, nossos relacionamentos se tornem sempre mais atos de amor.

João F. Torunsky