Curso de Imersão: Quinta-feira Santa

No quinto dia da criação Deus começou a criar os animais. Nesse dia os peixes e as aves foram criados, no dia seguinte os mamíferos. A cada dia se forma um novo reino na natureza: os minerais, as plantas e agora os animais. Os reinos dependem um do outro. O reino mineral forma a substância da Terra. As plantas têm a sua substância do reino mineral, mas são elas que formam a vida na natureza. Isso é possível porque as plantas estão ligadas de tal forma com o cosmo que podem receber a corrente vital que emana para a Terra e formar aqui a vida. O mais evidente desse processo é o relacionamento das plantas com o Sol. Elas podem assimilar a luz do Sol e, pela fotossíntese, formar a vida vegetal. As plantas estão unidas com a Terra pelas raízes, com o Sol pelas folhas, com as estrelas pelas flores, e possibilitam a vida na Terra.
Com a criação dos animais surge na natureza uma nova forma de consciência: uma consciência desperta. Também os minerais e as plantas têm uma consciência. A consciência das plantas ainda podemos imaginar. É semelhante à nossa consciência quando dormimos um sono profundo e dizemos dele que estamos inconscientes. A consciência dos minerais é ainda mais inconsciente do que a das plantas, isto é, mais inconscientes do que a nossa experiência de estarmos completamente inconscientes no sono. Por isso é muito difícil imaginar a qualidade da consciência mineral. Os animais já estão muito mais próximos da nossa consciência. Eles dormem e acordam. Quando estão despertos podem expressar estados anímicos, como nós. Mas os animais, apesar de poderem estar despertos e atentos, têm na vigília uma consciência mais semelhante àquela que temos durante o sono. Isso porque eles, na vigília, não chegam a despertar, como nós, para uma autoconsciência.
Esse nível superior de consciência, tanto dos animais quanto a nossa, é conquistado por uma separação maior do cosmo. A capacidade de desenvolver uma vida anímica consciente é conquistada pela perda da possibilidade de assimilar diretamente as forças cósmicas para formar uma vida biológica. Tanto os animais, quanto nós, não temos a possibilidade de assimilar a luz do Sol e fazer uma fotossíntese. Surge assim a necessidade da alimentação. Os minerais formam a substância da Terra. As plantas dependem dos minerais e por estarem ligadas ao cosmo formam a vida biológica na Terra. Os animais e os seres humanos dependem da substância mineral, dependem da vida das plantas para se alimentarem, e por estarem mais separados do cosmo formam uma vida anímica consciente. Cada etapa de desenvolvimento acontece sobre a base formada pela anterior. Podemos sentir isso como dependência, mas também como uma ajuda mútua. O nível superior depende do nível anterior para poder se desenvolver. Isso poderia ser a base para sentir uma profunda gratidão. O nível inferior serve ao desenvolvimento do nível posterior. Isso poderia ser a base para sentir o significado para sua própria existência. Essa dependência entre os diferentes níveis de desenvolvimento, como fonte de gratidão e sentido de existência, foi expresso de uma forma grandiosa por Christian Morgenstern em seu poema „Lava-pés“.

O Lava-Pés

Diante de ti, oh! pedra muda, inclino-me,
E a gratidão que sinto em mim é tanta.
Eu devo a ti meu existir de planta.

Diante de ti, oh! campo em flor, inclino-me,
E minha gratidão é sem igual.
Tu me ajudaste a ser animal.

Oh! pedra, oh! planta, oh! animal, inclino-me diante de vós,
Tão grato aqui estou…
Graças a vós eu sou o que hoje sou.

A teus pés, ser humano, quem se inclina somos nós,
Gratidão – nós que a sentimos!
Pois é por existires que existimos.

É, do uno e do múltiplo divinos,
Que todas as criaturas sempre estão
Se entrelaçando em sua gratidão.

Christian Morgenstern
(Tradutor desconhecido)

Na Quinta-feira Santa, Jesus Cristo se reúne com seus discípulos para festejar Pessach. Dois motivos nesse acontecimento tão profundo gostaria de ressaltar. Antes de começarem a Santa Ceia, Jesus Cristo lava os pés dos discípulos e nos dá como tarefa desenvolver gratidão uns aos outros e a querer servir uns aos outros. Esse ato do Lava-pés não é um gesto simbólico, pedagógico, para que os discípulos compreendam melhor a tarefa que receberam. O ato do Lava-pés é verdadeiro.
Também Jesus Cristo não teria cumprido a sua missão na Terra sem o círculo dos doze discípulos. Não é por acaso que são doze e assim formam um círculo com a qualidade cósmica. Os discípulos são individualidades muito distintas. E cada um é necessário para formar um círculo com a qualidade cósmica, mesmo Judas. Jesus Cristo, em profunda gratidão, lava os pés de cada um, também de Judas.
Depois do Lava-pés eles celebram a Santa Ceia, comem do pão, bebem do vinho. A celebração recebe a qualidade da alimentação. Exteriormente é o mesmo nível de alimentação que temos no nosso dia a dia, quando ingerimos alimentos vegetais, digerimos e formamos nossa vida biológica, formamos o nosso corpo, nosso sangue. Mas nesse momento da Santa Ceia, Jesus Cristo se coloca em um nível ainda mais profundo de relacionamento com os discípulos. No Lava-pés temos a expressão da gratidão que cada um pode sentir pelo outro. Pois o desenvolvimento de cada um, só é possível pela ajuda recebida do outro. Na Santa Ceia, Jesus Cristo se coloca a serviço de nós, se oferece como alimento espiritual para que nós possamos nos desenvolver como seres humanos. Ele se une com o processo da alimentação oferecido pelo reino vegetal. A força biológica que as plantas nos oferecem para que formemos nosso corpo, nosso sangue, a partir da alimentação, se une agora com a força e o ser do Cristo para que, pela sua força, pela força do seu corpo, do seu sangue, tenhamos o impulso de formar uma nova realidade, um futuro para a Terra e para a humanidade, tenhamos a força de superar o egoísmo e a temporalidade.
Dois motivos podemos colher da Quinta-feira Santa. Para que formemos uma realidade sempre mais humana, precisamos desenvolver gratidão por todos e por tudo que nos ajuda a nos desenvolver. E precisamos desenvolver a vontade de nos colocarmos a serviço do outro, para que ele possa se desenvolver.

João F. Torunsky