Reflexão sobre o salmo 8

Ó Senhor, nosso soberano,
quanto esplendor nos irradia de teu nome em toda a terra!
Tu, que expandiu a revelação do teu ser pelos céus.
Da boca das crianças e dos que mamam
Tu suscitaste a força contra teus adversários, para calar o inimigo indigno.
Quando contemplo os teus céus,
obra de teus dedos,
a lua e as estrelas que estabeleceste,
que é o homem, para que te lembres dele?
e o filho do homem, para que o acolhas?
Deixaste pouco faltar nele da dignidade divina, o coroaste de honra e revelação espiritual.
Deste-lhe domínio sobre as obras das tuas mãos, tudo puseste debaixo de seus pés, todas as ovelhas e bois, assim como os animais do campo, as aves do céu, e os peixes do mar, tudo o que passa pelas veredas dos mares.
Ó Senhor, nosso soberano,
quanto esplendor nos irradia de teu nome em toda a terra!

Salmo 8

O que é o homem?

Esta é a grande pergunta da nossa existência: quem somos nós?

Quando, numa noite estrelada, olhamos para o céu acima de nós e vemos a majestade do universo, o reluzir das estrelas, a pálida luz da lua…, podemos ser repletos de um sentimento: admiração!
Quando, de dia, olhamos para a natureza ao nosso derredor e vemos a beleza do mundo, uma pedra, uma planta, uma flor, um passarinho…, podemos ser repletos de um sentimento: admiração!

“quanto esplendor nos irradia de teu nome em toda a terra!
Tu, que expandiu a revelação do teu ser pelos céus.”

E o que é o homem? Quem somos nós?

A palavra homem vem do latim, e tem a ver com húmus. O homem é aquele que vem da terra. Mas, em grego, a palavra para homem é “antropos”, o que significa “o que olha para cima”. Os animais têm a sua cabeça voltada para a terra, já o homem superou a gravidade, se colocou em pé, ereto, e desenvolveu a possibilidade de olhar para cima.

O que é o homem?

Temos a nossa origem nos céus e, a partir dessa origem divina espiritual, podemos superar os obstáculos da vida, nos desenvolvermos como seres humanos. A criança recém-nascida ainda traz em si algo que nos deixa pressentir essa origem celestial do nosso ser.

“Da boca das crianças e dos que mamam
Tu suscitaste a força contra teus adversários, para calar o inimigo indigno.”

Mas, quando nos encarnamos, nós nos ligamos com a terra. Isso é necessário para nos desenvolvermos, mas traz o perigo de que realmente percamos a ligação com a nossa origem, com a “criança”, com os céus. Precisamos sentir em nós, existencialmente, a pergunta “o que é o homem? quem somos nós?”, e desenvolver a força de erguer a nossa cabeça, não somente num sentido exterior, mas interiormente, e olhar para os céus, para uma realidade divino espiritual.

“Quando contemplo os teus céus,
obra de teus dedos,
a lua e as estrelas que estabeleceste,
que é o homem, para que te lembres dele?”

Podemos ver o caminho do nosso desenvolvimento em três passos: éramos “crianças”, unidos com o divino, num estado paradisíaco. Nos encarnamos, nos ligamos com a terra e nos tornamos homens. Agora a meta não é voltar a sermos “crianças” negando a encarnação como “homens”, ou nos tornarmos completamente “homens terrestres”, esquecendo a nossa origem. A meta é, em liberdade, nos ligarmos com as forças da “criança” em nós, para que, como homens, possamos estar “grávidos de nós mesmos”, do nosso ser superior, e nos tornarmos “filhos do homem”.

“que é o homem, para que te lembres dele?
e o filho do homem, para que o acolhas?”

A grande diferença entre a natureza e o ser humano, está no fato de que a natureza é uma criação divina, a qual podemos admirar. Também nós fazemos parte da natureza e, assim, o esplendor da criação divina também está em nós. Mas, além disso, temos em nós uma potência criativa, que nos eleva da natureza: não somos somente criaturas, somos também criadores.

“Deixaste pouco faltar nele da dignidade divina, o coroaste de honra e revelação espiritual.”

Para o nosso desenvolvimento, esse dom divino espiritual de sermos criadores foi colocado na esfera da nossa liberdade.

“Deste-lhe domínio sobre as obras das tuas mãos”

Desenvolvemos a nossa cultura dominando sempre mais a natureza, criando a ciência, a arte e a técnica. Mas ter o domínio da natureza exige ter a responsabilidade por ela. A falta de responsabilidade no domínio da natureza nos trouxe os grandes problemas ecológicos do presente. Liberdade sem responsabilidade não nos leva a desenvolver o humano, mas, muito pelo contrário, nos torna desumanos. Nos encarnamos na terra, nos tornamos homens, e ganhamos a liberdade. O nosso desenvolvimento em liberdade pode nos levar em duas direções: usamos a nossa liberdade e poder criativo para desenvolver a qualidade humana em nós e nos tornarmos realmente seres humanos, “filhos do homem”, membros da hierarquia dos anjos; ou usamos a nossa liberdade e poder criativo para satisfazer os nossos desejos egoístas, perdendo a qualidade humana, nos tornando “animais” – na realidade, pior que os animais. A maior tarefa que recebemos quando ganhamos o domínio da natureza, é desenvolver o domínio do animal em nós.

“tudo puseste debaixo de seus pés,
todas as ovelhas e bois,
assim como os animais do campo,
as aves do céu, e os peixes do mar,
tudo o que passa pelas veredas dos mares.”
Começamos o nosso caminho no paraíso, diante da presença divina, como “crianças” podendo dizer:
“Ó Senhor, nosso soberano,
quanto esplendor nos irradia de teu nome em toda a terra!”

Nos encarnamos na terra, nos tornamos “homens” e vivemos com o grande enigma existencial: “que é o homem, para que te lembres dele?”

Temos, como meta, descobrir o poder criativo em nós, a força do nosso eu, a força do “Filho do Homem”, a força do Cristo, para podermos sermos co-criadores do ser humano e, em liberdade, aprender a superar a natureza animal egoísta em nós, aprender a amar.

Então, como “filhos do homem”, poderemos estar presentes novamente diante do Divino, e dizer:

“Ó Senhor, nosso soberano,
quanto esplendor nos irradia de teu nome em toda a terra!”

João F. Torunsky