Conto: Os elementos no caminho a Belém

Parte I

O Arcanjo Gabriel havia anunciado a Maria que o menino Jesus viria ao mundo; depois, em sonho, havia aparecido a José para lhe dar esta boa notícia.
Naqueles tempos o Imperador Augusto, interessado em saber quantas pessoas viviam nos muitos reinos e províncias dominadas pelos romanos, decretou que todos deveriam registrar seus nomes em listas, cada um na cidade de seu nascimento.
José havia nascido na pequena cidade de Belém; por este motivo foi necessário que, juntamente com sua esposa Maria, empreendessem a longa jornada de Nazaré, na província da Galileia, até Belém, nas montanhas da Judeia. Era um longo caminho que cruzava todo o país de norte a sul, passando por regiões desérticas e montanhosas. Seriam necessários vários dias de caminhada até chegarem ao destino.
Maria estava preocupada, pois faltavam poucos dias para o nascimento de seu filho. José conseguiu emprestado um jumento jovem e forte, que poderia carregar sua esposa na tão longa jornada.
Deixaram Nazaré numa tarde em que o céu estava encoberto e soprava um vento frio que vinha das altas montanhas do Hebron, situadas ao norte da Galileia, sempre cobertas de neve.
A noite chegou rápida e o frio tornou-se mais intenso. Não havia cidades ou aldeias na região por onde iam. José conduzia pelas rédeas o jumentinho, sobre o qual Maria vinha montada, envolvida em seu manto, para proteger-se do vento gelado.
– José, onde iremos passar a noite? Faz tanto frio e não vemos nenhum sinal de vilas ou aldeias a nossa frente…
– Maria, respondeu José, prossigamos um pouco mais, talvez enxerguemos alguma luz que nos possa conduzir à casa de um camponês que habite por aqui…
Prosseguiram um longo trecho do caminho, mas nada encontraram. A noite se tornava cada vez mais escura e o vento mais frio…
– José, está muito difícil prosseguir… o jumentinho está cansado, estamos tremendo de frio… temos que parar e repousar…
– Maria, não podemos parar ainda … precisamos encontrar um lugar que pelo menos nos proteja deste vento gelado…

José olhava para a escuridão à sua frente e mal conseguia enxergar o caminho por onde iam… De repente teve a sensação de avistar um lume.
 – Maria, olha ali à frente, vês aquela luz?
A princípio Maria não via nada, pois tinha a cabeça tão  envolta em seu véu para se proteger e mantinha os olhos fechados que demorou um pouco a se acostumar com a escuridão da noite; mas depois de um tempo, observando na direção em que José apontava, também ela teve a sensação de perceber algo brilhando à frente.
Apressaram o passo em direção àquilo que poderia ser a luz de uma cabana ou de uma fogueira. Se havia luz, haveria com certeza alguém lá que talvez os pudesse ajudar.
Quando se aproximaram o suficiente, perceberam que a luz provinha de um pequeno lampião carregado por um menino.
– Boa noite caminhantes! – exclamou o menino, – por que caminhais neste frio?
Maria respondeu-lhe:
 – Estamos nos dirigindo a Belém, para colocar nossos nomes nas listas, conforme o desejo do Imperador. A noite escura nos desorientou… buscamos um lugar para passar a noite e para nos proteger do vento gelado das montanhas.
O jovem com o lampião lhes disse:
– Por aqui não vão encontrar vivalma! Se quiserdes me acompanhar, eu vos poderei ajudar!
José respondeu:
– De bom grado te acompanhamos e agradecemos tua generosa ajuda.
O menino com o lampião iluminava o caminho. Maria e José puderam então observá-lo um pouco melhor à luz que irradiava da pequena vela no lampião. O jovem tinha um gorro vermelho e pontudo sobre a cabeça, seu rosto era alegre, seus lábios estampavam um sorriso enquanto falava e seus olhos pareciam duas brasas que irradiavam à luz do lampião, vestia-se com uma túnica curta cuja cor lembrava tons rubros e alaranjados. Apesar de ter seus braços e pernas descobertos, parecia não sentir frio.  Curiosamente Maria começou a perceber que, apesar do vento frio continuar a soprar, a pequena luz do lampião do menino aquecia seu coração. José também percebeu algo parecido e sentiu que suas pernas não estavam tão enrijecidas pelo frio como antes e havia se tornado mais fácil prosseguir a caminhada ao lado do menino.
Às vezes o jovem parava, alumbrava com seu lampião o chão e dizia:
– Olha, aqui temos um graveto! Vamos levá-lo pois, se juntarmos alguns mais, poderemos acender uma fogueira.
José ia então recolhendo os gravetos e pequenos ramos que encontrava num cesto que carregava às costas.

O menino do lampião os conduziu a um grande paredão rochoso que os protegia do vento.  Maria desceu do jumentinho e sentou-se no chão encostada à grande rocha.  José juntou os galhos recolhidos no caminho e armou com eles uma pilha, que foi então acesa pela luz do lampião do menino. José se acomodou ao lado de Maria, também o jumentinho veio se deitar próximo ao fogo para se aquecer.
– Queremos te agradecer, bom menino, – disse Maria – por nos ajudares a encontrar este lugar protegido.  Como te chamas?
O menino do lampião respondeu:
– Chamam-me Ígneo. Foi para mim uma alegria prestar esta ajuda a ti e aquel’Ele que carregas próximo a teu coração, pois chegará o dia em que Ele acenderá o fogo que iluminará todas as trevas. 
José dirigindo-se ao menino, falou:
– Meu jovem Ígneo, não temos muito para oferecer, mas nos alegraremos se quiser compartilhar conosco nosso alimento. Enquanto falava, José começou a retirar do alforje o pão e os poucos alimentos que haviam trazido na viagem. 
– Agradeço-lhe, bom homem, mas meu alimento é de outra natureza!
 Ao dizer isto, o jovem Ígneo desapareceu num clarão, deixando José um pouco desconcertado…
Maria e José depois de comerem se deitaram junto ao fogo. Apesar de ter sido feita com os poucos gravetos achados no caminho, a fogueira permaneceu acesa e vigorosa durante toda a noite e manteve os viajantes aquecidos.
No dia seguinte o vento frio havia passado e o sol aquecia a manhã. Quando Maria e José se despertaram, notaram que havia sobrado apenas um punhado de cinzas no local da fogueira. Lembraram do menino que encontraram na noite anterior. Maria tocou as pedras, ainda mornas, em volta do lugar da fogueira e olhando para as cinzas disse:
– Ígneo, não sabemos ondes estás agora, mas queremos te agradecer pela luz que nos guiou na escuridão e pelo calor que nos deste!
Depois disto o casal retomou sua viagem a Belém.

Renato Gomes