Conto: Os elementos no caminho a Belém

Parte II

O caminho para Belém conduziu José e Maria por um extenso planalto. O terreno era pedregoso, não havia árvores, apenas aqui e ali cresciam alguns arbustos espinhosos. Quanto mais avançavam, mais o solo se tornava arenoso. O sol brilhava alto no céu e fazia calor. Subitamente o vento do leste trouxe uma tempestade de areia. José conhecia aquela região pois já havia passado algumas vezes por ali quando era mais jovem. Ele sabia que não estavam muito distantes de uma aldeia onde fizera amizade com alguns pastores, mas a tempestade de areia trazida pela borrasca não lhes permitia ver bem por onde andavam. Maria teve que cobrir o rosto com seu manto para se proteger, o jumentinho também sofria com a ventania e a areia que lhe entrava nos olhos e nas narinas. José abaixou o capuz sobre a face e com a manga de sua roupa cobria o nariz e a boca. Com os olhos entreabertos tentava com grande dificuldade enxergar algo…
A duras penas avançavam, mas sem perceber foram se desviando do caminho…
A areia soprava de todos os lados, o vento forte assoviava com intensidade. Tornou-se então impossível prosseguir a viagem. José ajudou Maria a desmontar e ambos se abraçaram junto ao jumento; encolhidos esperavam que a tempestade amainasse.
Enquanto aguardavam ali agachados, ouviram longe um assovio diferente, que dava a impressão de estar cada vez mais perto deles. O assovio foi se tornando mais audível e aos poucos começaram a escutar naquele assovio uma espécie de melodia. José levantou um pouco a cabeça e distinguiu no meio da tempestade de areia uma figura que caminhava em sua direção. Quando estava bem próxima, José reconheceu que se tratava de uma jovem, cujos véus da vestimenta dançavam ao vento. Com uma voz musical a jovem lhes disse: 
 – Caminhantes, levantai-vos! Vinde comigo!
A jovem ajudou Maria a se erguer e cobriu-a com um de seus véus. Estendeu a outra ponta do véu sobre os ombros de José. Lançou ainda sobre o jumentinho um dos delicados mantos que pendiam de sua cintura. O grupo caminhava a passos curtos e próximos uns aos outros. A jovem cantarolava todo o tempo uma delicada melodia que alegrava o coração. Protegida pelo véu daquela estranha figura, Maria sentiu alívio, pois a areia não fustigava mais seu rosto. 
José e o jumento também seguiam mais aliviados. A tempestade continuava soprando violentamente, mas o pequeno grupo seguia sereno seu caminho.
A jovem os conduziu até uma velha choupana em ruínas.
 – Entrai e repousai! – disse.
José acomodou o jumento num canto onde havia um monte de feno. Depois sentou-se num banco de madeira junto a Maria.
 – Minha jovem – indagou Maria – como te chamas?
A jovem respondeu com sua voz cantarina:
—Todos que me conhecem me chamam de Brisa!
—Jovem Brisa – exclamou José – nós muito te agradecemos por nos ajudar a chegar a esta choupana que nos protegerá enquanto durar a tempestade de areia.
Brisa se mantinha de pé junto a porta e olhava intensamente Maria; começou então a entoar um lindo canto e, enquanto cantava, os véus que lhe cobriam o corpo se moviam, como que agitados por um sopro invisível no ritmo da melodia:
—Maria, Maria! 
Teu nome me foi soprado pela ventania! 
Antes de aqui chegares, eu já o sabia.
O Sopro do Altíssimo que em teu ventre agora habita 
ecoará um dia pelo mundo qual voz forte e infinita!

Maria ficou impressionada com as palavras daquele canto, fechou os olhos para que a melodia reverberasse ainda em seus ouvidos e, quando olhou de volta, percebeu que Brisa não estava mais lá.
Do lado de fora a tempestade ainda se mantinha agitada. A choupana não tinha porta e as velhas paredes estavam cheias de buracos, mas miraculosamente o ar no seu interior estava sereno, a areia não penetrava. José e Maria ficaram sentados no velho banco em silêncio, observando tudo. Tinham a impressão de que um suave assovio preenchia o ar, quase imperceptível aos ouvidos, mas que lhes fazia sentir segurança naquele lugar.
Já havia escurecido quando a tempestade cessou. 
Os viajantes decidiram passar a noite naquela choupana.
No dia seguinte, retomaram sua jornada. José reconheceu à luz do novo dia qual direção deveriam tomar para chegar à aldeia de seus amigos pastores. Maria olhou para trás e se despediu da choupana cantarolando:
—Brisa gentil! Brisa acolhedora! 
A ti agradecemos, a voz protetora!

Renato Gomes