Conto: Os dois irmãos gêmeos

Um rei e uma rainha desejavam há muito tempo ter um filho. A alegria deles foi imensa, quando um dia a rainha teve a esperança de dar à luz uma criança. Eles tiveram que esperar bastante tempo, mas quando a lua pela décima vez ficou cheia, chegou a hora do parto.
Nasceu um menino que, mesmo recém-nascido, já se podia ver que era muito lindo. O rei ficou maravilhado e alegre. Mas a parteira disse: “Está vindo mais um”, pois eram gêmeos, que a rainha estava dando à luz. Quando o segundo menino nasceu, a parteira ficou muda, o seu rosto ficou pálido e ela tentou esconder a criança com um pano.
O rei quis ver seu segundo filho, e quando a parteira o mostrou ele ficou horrorizado de tão feio que o menino era. O rei embrulhou o recém-nascido no pano e, sem mostrá-lo à rainha, levou o menino para fora do quarto, chamou seu caçador mais fiel e mandou levar a criança para a floresta e matá-la. O caçador pegou o pequenino embrulhado no pano e foi até a floresta. Quando ele desembrulhou a criança ficou muito chocado, de quão feia ela era. Mas quando olhou nos olhos do menino viu um brilho como de duas estrelas nas trevas da noite. Enquanto ele olhava o brilho das estrelas nos olhos do menino, a criança começou a sorrir e o coração do caçador se preencheu de tanto calor que ele não teve a maldade de matar a criança. O caçador embrulhou o menino de novo no pano e caminhou por vários dias, sempre mais para dentro da floresta, até chegar a uma clareira, onde havia uma casinha e onde ele sabia que morava uma velhinha. O caçador bateu à porta, a velhinha abriu, ele a cumprimentou e perguntou se ela poderia cuidar da criança que ele tinha achado no meio do caminho. A velhinha sabia que o caçador estava mentindo. Ela olhou tão sério nos seus olhos que o coração dele quase parou de bater, então sorriu e disse que ficaria com o menino e cuidaria dele como se fosse seu próprio filho. Aliviado o caçador entregou o menino e voltou para o castelo. No castelo o rei e a rainha viviam felizes com o príncipe, que crescia como uma criança muito bela e aprendia tudo o que era necessário para um dia se tornar rei. Na floresta a velhinha também vivia feliz com o menino, que crescia como uma criança feia e aprendia muitas coisas também. Mas como na realidade a velhinha era sábia, ensinou para o menino não as coisas do reino deste lado do abismo, mas as sabedorias do reino do outro lado do abismo. Os anos foram passando. Quando os meninos haviam se tornado jovens, o príncipe que era muito bonito e escutava sempre de todo mundo como era belo, ficou muito vaidoso e o que mais gostava de fazer era olhar-se no espelho e ver o quão bonito ele era. Um dia o rei chamou o príncipe e disse para ele que havia chegado a hora dele casar. Ele tinha que ir ao mundo e procurar a princesa que morava do outro lado do abismo. Isto era tudo o que o rei podia falar para ele. O caminho ele mesmo tinha que encontrar. O príncipe mandou selar o seu cavalo e montou para sair ao mundo à procura da princesa. Na saída do castelo o caçador parou o príncipe e disse-lhe: “Meu príncipe, antes que vás ao mundo tenho que te contar um segredo. Tu tens um irmão gêmeo, mas ao contrário de ti, ele é horrivelmente feio”. E o caçador contou-lhe toda a história. O príncipe começou a rir e disse: “Você está velho e maluco. Esta, só pode ser uma história inventada, uma grande mentira. Se eu tivesse um irmão gêmeo ele seria tão belo quanto eu”. E deu com as esporas no cavalo e se foi cavalgando. Neste mesmo tempo o irmão feio disse para a velhinha sábia: “Mãezinha, eu sei que tenho um irmão gêmeo e sei que ele precisa da minha ajuda. Deixa-me sair ao mundo para procurar por ele!”. A velhinha estava bem de acordo, mas antes de permitir que ele saísse, disse-lhe: “Vai e ajuda teu irmão, mas não se mostre a ele. Pois se ele te visse agora, com o coração cheio de vaidade, ele não suportaria saber que tu és o irmão dele e não aceitaria a tua ajuda. Ajude-o sem que ele te veja. Quando chegar a hora dele te aceitar como irmão, você poderá mostrar a ele o caminho para atravessar o abismo”. O príncipe seguiu cavalgando por muitos anos. Transpassou florestas, andou através de desertos e teve que vencer muitos obstáculos. Ele chegou até a fronteira do seu reino, onde ninguém sabia que ele era um príncipe. Suas roupas tinham ficado sujas e rasgadas, seus cabelos cresciam sobre os ombros e sua barba ocultava a beleza da sua face. Quando ele tinha sede, procurava uma fonte ou um riacho. Quando tinha fome, procurava frutas ou raízes. Quando chegava em uma vila, se oferecia para trabalhar, pois ninguém dava para ele algo para comer, somente pelo fato de ser belo. A vida era difícil, mas ele se sentia com sorte e pensava que ela vinha por acaso. Com o tempo foi percebendo que, mais importante que sua beleza, era sua disposição para trabalhar. E ele aprendeu muito rápido que as pessoas que mais o ajudavam não eram necessariamente as mais belas, mas aquelas que tinham um bom coração. Depois de algum tempo ele teve que vender o seu cavalo e andava a pé. E assim chegou até o reino das neblinas, que é o reino onde está o abismo que separava o lado de cá e o de lá. As neblinas foram ficando cada vez mais densas. O príncipe não conseguia enxergar quase nada, ele tinha que tatear para encontrar o caminho e a neblina foi ficando tão densa que ele não via mais nada. Quando a noite veio ele procurou com as mãos o lugar mais macio no chão e se deitou para dormir. Quando ele se esticou para dormir achou estranho que do lado dele parecia haver um buraco, pois a sua mão não conseguia tatear nada. Mas ele estava tão cansado que adormeceu antes de descobrir que buraco se encontrava ali. Mas não era um buraco, era o abismo. Ele tinha, sem perceber, chegado até o abismo e se deitado ao seu lado. Ele dormiu muito inquieto se virando para lá e para cá. Mas sempre que ele começava a se virar para o lado do abismo, ele acordava como se alguém o sacudisse. Ele sentava no chão assustado, olhava para cá e para lá, mas não via ninguém. Quando o dia veio e a neblina ficou clara, mas, mesmo assim, densa, ele continuou o seu caminho. Ele andava na beira do abismo sem perceber. E toda vez que ele se voltava um pouco para o lado do abismo, ele sentia que uma mão virava o seu rosto para o outro lado, bem suave, como o sopro de uma brisa. Ele olhava para todos os lados, mas não via ninguém. Por vários e vários dias ele foi caminhando assim. Um dia ele se sentou em uma pedra, pois estava muito cansado, com sede e com fome, não sabia como voltar para trás, e ficou pensando na sua vida: na infância linda que teve, na juventude, na sua vaidade, na sua arrogância com o caçador e também como tinha sido seu caminho procurando a princesa. Por um lado, ele estava triste, por tudo que ele havia perdido. Por outro lado, ele estava feliz por ter aprendido que a beleza não tem valor, se ela apenas provoca a vaidade. Que muito mais importante é ter um bom coração. Ele não sabia mais para onde ir, mas estava em paz pensando que provavelmente morreria de fome ali mesmo.
Neste momento a neblina se abriu um pouco, um raio de sol entrou por dentro dela e formou como uma clareira de luz dentro da neblina. Ele estava sentado bem no meio dessa clareira. Ele olhou então ao seu derredor e de repente viu um vulto na neblina vindo em sua direção. Ele levou um susto, se levantou com o coração disparado e o vulto foi ficando cada vez mais nítido e mais próximo. Quando o vulto entrou no espaço de luz, ele reconheceu um homem, mas ficou aterrorizado com a sua aparência. Nunca tinha visto alguém tão feio. E o príncipe perguntou: “Quem é você?” E o homem respondeu: “Sou o teu irmão”. Um calafrio correu o seu corpo. Ele se lembrou então das palavras do caçador. No seu estômago ele sentia um nojo. Mas em seu coração sentia um carinho por esse irmão tão feio. Devagarinho se aproximou de seu irmão. E quando olhou em seus olhos viu um brilho como de duas estrelas no meio da escuridão da noite. E ao olhar para essas estrelas em seus olhos, seu irmão sorriu. E o príncipe então sorriu também. Ele abraçou seu irmão e o beijou na face. E o irmão disse ao príncipe: “Venha, eu vou te guiar até a ponte que nos levará ao outro lado do abismo”. A neblina foi se clareando e o sol brilhava sempre mais. Só agora o príncipe havia percebido que o tempo todo tinha caminhado ao lado do abismo e, sem trocar nenhuma palavra, sabia que seu irmão o tinha protegido todo o tempo. Eles chegaram até a ponte, atravessaram para o outro lado e, não demorou muito, chegaram ao castelo da princesa. Ela esperava por ele junto ao portal. Quando ela viu os dois chegando, perguntou ao príncipe: “Quem é este homem horrível que trazes contigo?”. E ele respondeu: “Este é o meu querido irmão”. Neste momento, toda a feiura do irmão caiu como uma casca seca e ele era, na verdade tão bonito quanto o príncipe.
O príncipe casou-se com a princesa, o seu irmão se casou com a irmã dela e eles viveram felizes por muito tempo.
João F. Torunsky