Conto: O Poço

No interior do cerrado, numa região de poucas chuvas, havia uma cidadezinha chamada Atibarán. As famílias que ali viviam se conheciam bem e tinham muito apreço umas pelas outras. As crianças podiam brincar livres pelas ruazinhas do povoado sem qualquer preocupação, pois os pais sabiam que se elas precisassem de alguma coisa poderiam ir a qualquer casa de Atibarán e os adultos que ali moravam iriam ajudá-las no que fosse necessário. Naquela vila do interior, todos cuidavam uns dos outros, como numa grande família. O clima era seco e como a cidadezinha estivesse no alto de uma região de colinas, não havia rios por lá. Para conseguir água, muitos anos atrás as primeiras pessoas que chegaram ao lugar cavaram um poço com muitos metros de profundidade, até encontrarem um lençol de águas subterrâneas. Ficou conhecido como o poço profundo. Era a única fonte de água de Atibarán. Uma das pessoas que havia ajudado a cavar o poço profundo se chama Pedro. Todos o chamavam Seu Pedro. Ele era bem idoso, mas, ainda assim, exercia a função de cuidador do poço. Seu Pedro era quem carpia em volta da borda do poço, reconstruía o pequeno muro de pedra em volta da borda, cada vez que ele desmoronava em alguma parte, cuidava também para que a corda e a caçamba de puxar a água do poço sempre estivessem em bom estado. Pelo menos uma vez ao dia, as pessoas iam ao poço profundo, que ficava numa depressão do terreno, fora dos limites da cidadezinha, com seus baldes ou cântaros buscar água para cozinhar, lavar a roupa, regar as hortas e para tudo que fosse necessário. Durante todos os anos, desde a fundação de Atibarán, o poço profundo forneceu água suficiente para todas as famílias. Um dia Seu Pedro escorregou e quebrou uma perna. Ele morava sozinho em sua casinha. Robertinho, o filho do vizinho, visitava Seu Pedro e lhe levava as refeições do dia, ia também até o poço profundo buscar água para o velho cuidador do poço. Seu Pedro sempre perguntava ao jovem:
— Robertinho, está tudo como Deus manda lá no nosso poço?
– Sim, sim! Seu Pedro, fique tranquilo, está tudo certo! Respondia o rapaz.
A perna de Seu Pedro teve que ser engessada. Ele conseguia andar dentro de sua casa, mas era difícil fazer uma caminha mais longa. Demoraria várias semanas até que ele mesmo pudesse ir até o poço profundo, prosseguir na sua tarefa de cuidador.
Um dia Robertinho trouxe o almoço para Seu Pedro e ao colocar uma garrafinha de água sobre a mesa, disse:
– Seu Pedro, hoje minha mãe disse para trazer a garrafinha apenas pela metade para o senhor, pois parece que o posso profundo está com pouco água esta semana.
Seu Pedro ficou muito admirado com aquela notícia. Em todos os anos de sua vida, nunca vira o poço profundo com pouca água!
— Robertinho, isto não é possível! Faz-me um favor, vai até o poço, atira a caçamba e espera que ela chegue ao fundo do poço. Depois puxa para cima e observa o comprimento da corda que afundou na água. Assim saberei se há muita ou pouca água por lá.
O rapaz foi até o poço profundo e fez exatamente como o velho cuidador havia determinado. Ao regressar lhe disse:
— Seu Pedro, o pedaço de corda que afundou com a caçamba é assim! – e mostrou o tamanho que ia do seu cotovelo até a ponta de seus dedos.
Seu Pedro ficou muito preocupado, pois sabia que em condições normais o nível da água era cinco vezes mais profundo do que isto!
Robertinho disse ainda que à noite haveria reunião no caramanchão da praça de Atibarán, pois as famílias estavam preocupadas e queriam conversar sobre o que deveriam fazer se o poço secasse. Seu Pedro pediu ajuda a Robertinho para acompanhá-lo, pois também queria participar da reunião. Naquela noite, todos os habitantes da aldeia estavam reunidos, sentados em círculo, nos bancos do caramanchão. Alguns explicavam que todos deveriam economizar, usar água apenas para as coisas essenciais: beber, cozinhar. Outros reclamavam, pois haviam dito que era melhor nos próximos dias não usar a água para regar as hortas:
— Minhas verduras vão morrer se eu não regar os canteiros! Protestava Marcelino, que era quem produzia alfaces, rúculas e chicórias para todos!
— Também temos que economizar água para tomar banho, falou Dona Aurélia, que era a professora das crianças menores.
— Eu posso ficar até uma semana sem banho! Sussurrou Paulo, irmão de Robertinho  que tinha doze anos, para seu amigo Edson.
— Que porco! Exclamou Joana em voz alta, uma menina um pouco mais velha que o garoto e que havia escutado o comentário do menino.
Alguns adultos se envolveram na discussão dos filhos argumentando se seria melhor ou pior deixar de tomar banho alguns dias para economizar água. Outros mais preocupados em resolver logo a situação começavam a discutir se não seria preciso cavar outro poço, noutro lugar, pois do jeito que a coisa ia, a água do poço profundo acabaria em poucos dias. Não demorou muito e todos falavam ao mesmo tempo; uns concordavam, outros discordavam, outros diziam que tinham a solução, outros ainda afirmavam que a solução não pode ser assim tão simples, pois sem água não poderiam continuar vivendo em Atibarán. Seu Pedro havia escutado tudo em silêncio, até que pediu a ajuda de Robertinho para conseguir se levantar, bateu forte as palmas das mãos para pedir silêncio e disse:
— Minha gente, o poço profundo nunca negou água! Há muitos anos eu ajudei a cavá-lo e ele sempre foi generoso com todos nós!
— Isto é correto, Seu Pedro – falou Dona Terezinha, a cozinheira da escolinha – a maioria de nós aqui reunidos era criança quando nossos pais cavaram o poço com o senhor. Eu ainda me lembro do monte de terra e pedras que saiu de lá mas pode ser que o lençol d’água de nosso poço esteja secando. Melhor procurar outro lugar para cavar o novo poço.
E a seguir começaram a falar de novo todos ao mesmo tempo, pois havia muitas opiniões diferentes, mas o problema era muito sério para todos eles.
Seu Pedro bateu forte com as palmas das mãos pela segunda vez:
— Eu quero saber uma coisa: Vocês agradecem ao poço, cada vez que vão buscar água?
Houve um profundo silêncio depois daquela pergunta.
— Como assim Seu Pedro? – indagou Silvino, o padeiro da aldeia – O que é isso de agradecer ao poço?
Antes que Seu Pedro respondesse, Marinalva, a costureira, tomou a palavra:
— Eu me lembro que na infância ia ao poço com minha avó pegar água e ela agradecia ao poço profundo e pedia para que eu agradecesse também mas depois que eu cresci e comecei a buscar água sozinha, deixei de fazer isto.
Um a um os habitantes de Atibarán foram resgatando suas lembranças de infância e ao mesmo tempo admitindo que nenhum deles havia mantido o costume dos pais ou dos avós de agradecer ao poço. Ficou claro então que Seu Pedro era a única pessoa do lugar que guardava a tradição de agradecer ao poço profundo. Robertinho, lembrou a todos, que quando Seu Pedro tinha quebrado a perna e havia deixado de ir ao poço, foi que começou o problema da escassez de água. Seu Pedro propôs que na manhã seguinte toda a aldeia iria ao poço profundo e ele mostraria como era sua maneira de prestar-lhe agradecimento. No dia seguinte o povo estava reunido em torno do poço profundo. Seu Pedro lançou a caçamba ao fundo e depois puxou a corda. Ela não subiu cheia, encheu-se apenas pela metade. O nível da água estava bem baixo. Seu Pedro pegou a caçamba despejou num canecão que havia levado. Bebeu um gole e pediu que o canecão fosse passado de mão em mão e que cada um deveria beber um pequeno gole. O povo fez como Seu Pedro havia solicitado. Depois de que todos beberam, Seu Pedro perguntou:
— Meus amigos de Atibarán, notaram como esta água é refrescante e saborosa?
Todos afirmaram com a cabeça. Seu Pedro prosseguiu:
— Nosso poço profundo nos deu todos os dias esta água maravilhosa! Nós tiramos e tiramos e no dia seguinte o poço sempre estava cheio da água que mata nossa sede, da água que rega nossas hortas, da água que lava nosso corpo. Eu cada vez que vinha aqui buscar água pensava um pouco em tudo isto e quanto mais pensava, mais me alegrava com a água que recebia do poço. Por tudo isso, antes de voltar a casa, eu agradecia ao poço profundo. Ao dizer isto, Seu Pedro pegou a caçamba que continha ainda um pouco de água e a verteu de volta ao poço, dizendo:
— Poço profundo, Deus permite que você me doe sua água todos os dias! Eu agradeço a Deus e te agradeço devolvendo um pouco daquilo que você me presenteia com generosidade!
Fez-se um silêncio tão profundo que todos puderam ouvir quando a porção d’água que havia sobrado na caçamba atingiu o fundo do poço.
Seu Pedro disse ainda que de fato a quantidade de água era bem pouca no fundo do poço, porque haviam esquecido de agradecer, mas em lugar de pensar em cavar outro poço noutro local, melhor seria cavucar o fundo e esperar que mais água viesse a encher o poço profundo. Robertinho e seu amigo Lucas se ofereceram para descer e escavar o fundo. Naquela tarde o trabalho foi iniciado. Robertinho e Lucas com suas pás cavavam e enchiam os baldes com terra e pedra, que as pessoas na borda do poço puxavam para cima. Foi um trabalho árduo aprofundar pouco mais de um metro, mas em algum momento das paredes do poço escavadas pelos rapazes começou a minar água em abundância! Robertinho e Lucas tiveram que subir rápido pelas cordas para não ficaram completamente molhados!
A partir daquele dia, cada um que ia buscar água agradecia e se lembrava de devolver ao poço um pouco daquilo que viera buscar naquele lugar. Nunca mais houve falta de água em Atibarán, mas desde aquele dia o poço mudou de nome, passou a chamar-se Poço – Mais – Profundo.
Renato Gomes