Conto: Os elementos no caminho a Belém

Parte III

Os caminhos pelas regiões montanhosas tornaram-se cada vez mais difíceis. José decidiu que melhor seria descer a montanha e viajar pela costa, junto ao mar. 
A viagem foi bem agradável no começo. A brisa fresca do mar era aprazível. O jumentinho trotava com mais facilidade sobre a areia macia. Quando surgia uma aldeia de pescadores, José trocava um pouco dos alimentos que trazia por peixe fresco que assava sobre as brasas de uma fogueira e o comia junto com Maria.
Após alguns dias de viagem, aproximaram-se de uma parte do litoral, onde a praia era uma estreita faixa de areia entre o mar e as encostas rochosas. Caminharam muitas horas por aquele lugar, não encontraram aldeias nem vilas de pescadores. O sol brilhava forte no céu e fazia bastante calor. A água que traziam estava terminando. José observava com atenção se nas paredes rochosas surgia um pequeno córrego de água doce para reabastecer seu odre, mas nada encontrou.
As horas passavam e o calor aumentava. Haviam tomado os últimos goles e o caminho à frente era longo.
— José, – disse Maria – Minha garganta está seca! Quando será que encontraremos água fresca?
José olhava para o imenso mar e refletia:
— Toda esta água aqui tão próxima, mas não nos serve para beber!
Também o jumento demonstrava que tinha sede, pois seu trote foi se tornando cada vez mais lento e pesado. Para não sacrificar demais o pobre animal, Maria decidiu caminhar ao lado do esposo e com a mão sobre o pescoço do jumentinho, sussurrava próximo a suas grandes orelhas:
— Querido burrico! Não desistas agora!
José subitamente apontou para frente e gritou:
— Maria, olha! Lá a nossa frente há um rio que desemboca no mar! Apressemo-nos! Quem sabe, suas águas são límpidas e nos sirvam para saciar a sede.
A visão do rio trouxe ânimo aos viajantes. Aceleraram a marcha em direção ao rio. Quando estavam próximos perceberam que suas águas eram barrentas. Assim mesmo o jumento enfiou seu focinho nas águas turvas e bebeu até fartar-se.
— Pelo menos nosso animalzinho conseguiu apaziguar sua sede – disse Maria.
— Mas agora estamos com outro problema! – observou José – Este rio que desce das encostas rochosas é caudaloso. Não podemos atravessá-lo, sua correnteza é forte e não vejo ponte onde possamos cruzá-lo…
Neste instante ouviram uma voz que lhes chamava: 
— Viajantes! Viajantes! Vinde aqui!
Sobre uma pedra à margem do caudaloso rio, estava sentada uma velha mulher. Seu vestido esverdeado era longo e estava em parte submerso nas águas do rio. Seus longos cabelos brancos escorriam sobre seus ombros e brilhavam à luz do sol numa suave tonalidade que se aproximava ao azul.
Maria e José se aproximaram da mulher, que lhes perguntou: 
— O que procurais?
Maria lhe respondeu:
— Minha senhora, estamos sedentos. A água de nosso odre terminou. Caminhamos há horas sob o sol e estamos sedentos! Vimos o rio e nos alegramos, mas as águas estão com tanto barro que não podemos beber…
 José acrescentou:
— Além disto, não podemos prosseguir viagem, pois não há como cruzar esta correnteza!
A mulher levantou-se da pedra onde estava sentada. Era de pequena estatura, mas se movia com agilidade. 
— Pois eu sei como ajudar-vos. Segui-me!
A mulher de longos cabelos brancos azulados começou a caminhar pela margem do rio. Seu longo vestido impedia a visão de seus pés e era arrastado em parte na terra em parte nas águas do rio enquanto ela caminhava. Maria, José e o jumentinho a seguiam.
O grupo caminhou pela margem no sentido oposto à correnteza, em direção as paredes rochosas de onde vinham as águas. Ao se aproximarem, eles perceberam que naquele lugar onda as águas das regiões altas desciam pelas encostas pedregosas o terreno era bem irregular. A mulher com o longo vestido, subia com habilidade pelas rochas molhadas da margem do rio. José ajudava Maria a fazer a escalada, escolhendo os pontos mais fáceis e mais seguros para que ela não escorregasse. O burrico também encontrava nas pedras da margem os lugares para apoiar-se e subir com firmeza.
Não foi uma subida fácil! Mas, por fim, eles chegaram a um lugar onde havia grandes fendas nas paredes rochosas. A mulher lhes indicou uma greta escura. Ao se aproximarem perceberam que do interior da fenda escorria um filete de água cristalina. José encheu o odre e deu-lhe a Maria para beber. Ele mesmo, juntando as mãos em concha, também saciou sua cede. Aquela água cristalina era fresca e agradável!
— Senhora, – disse José dirigindo-se a mulher dos cabelos azulados – estamos muito agradecidos a ti por nos mostrar o caminho até esta fonte refrescante!
A mulher então falou-lhes: 
— Vinde comigo um pouco mais adiante. Quero mostrar-vos um vau onde as águas deste rio não são tão profundas e a correnteza não é tão forte. Lá podereis atravessar sem dificuldade.
José e Maria a seguiram. Desta vez o caminho não era muito íngreme. Chegaram a um local onde o rio fazia uma ampla curva. Naquele vau o leito era raso e os viajantes puderam cruzar as águas com facilidade. Ao chegarem na outra margem, Maria disse à mulher: 
— Boa mulher, tu foste muito gentil conosco! Nós te agradecemos, pois nos mostras-te a fonte de água fresca e nos acompanhaste até este vau. Como te chamas?
— Aqui todos me chamam de Aquália! – e estendendo o braço entregou a Maria um pequeno frasco de vidro.
— Leva isto contigo. Sempre que sentires sede, esta água irá te saciar. Um dia teu filho trará ao mundo a água viva, que saciará a quem tiver sede.
Após dizer estas palavras, Aquália desapareceu, como se tivesse sido levada pela corrente do rio.
Maria guardou o precioso frasquinho, montou no jumento e prosseguiu com José a viagem a Belém.

Renato Gomes

No quarto Advento, domingo dia 20 de dezembro seguirá a última parte deste conto.