Conto: A Ponte do Guardião

Parte II

Na noite da invasão destruidora em Amazoil, os Caa-porás se reuniram na borda da floresta queimada para deliberar o que fazer. Algo assim nunca havia ocorrido no passado. As pessoas sempre visitaram a ilha e respeitaram as regras do lugar. Os Caa-porás sabiam que muitas pessoas amavam Amazoil. Na verdade acreditavam que todos os seres humanos sentissem algo semelhante pela ilha. Não puderam imaginar que de repente surgissem pessoas que já não conseguissem mais entender o que a floresta tinha de bom e que encontrassem satisfação em destruir apenas para retirar da terra minerais preciosos. Os Caa-porás sempre souberam que os minerais estavam lá, justamente por este motivo Amazoil era tão especial. Aqueles minerais haviam sido a base que nutria as raízes das árvores que, por sua vez, davam alimento e abrigo aos animais e também proporcionavam alegria, conhecimento e remédios aos seres humanos que aprenderam a amar e respeitar a floresta, mas parecia que os tempos estavam mudando…

Os Caa-porás deliberaram toda a noite. Concordaram que algumas coisas precisavam ser feitas. Teriam que trabalhar muito para recuperar e reflorestar aquela parte queimada pelo fogo; isto levaria muito tempo. Concordaram também que, para esta tarefa, seria necessário impedir a entrada das pessoas na ilha; por este motivo recolheram a ponte de raízes. Em relação a um ponto, porém, não chegaram a uma conclusão:

– Vamos permitir que os seres humanos um dia retornem a Amazoil?

Alguns opinavam que melhor seria manter a ilha isolada para sempre. Com certeza grupos como aquele voltariam e os estragos poderiam ser maiores.

Outros, porém, diziam que durante séculos houve visita de tantas pessoas e os Caa-porás bem sabiam que, de todos os seres da natureza, os seres humanos eram os mais diferentes, pois eles podiam escolher tanto amar como destruir. Até então eles conheceram somente as pessoas que souberam demostrar seu amor pela ilha.

Um dos Caa-porás mais antigos e sábios disse:

– Companheiros não sejamos precipitados em nossas decisões. Bem podemos evitar que os seres humanos venham a Amazoil, com isto estaremos nos protegendo daqueles que preferem escolher a destruição, mas estaremos também punindo aqueles que aprenderam a amar nossa ilha impedindo-os de chegar aqui. Todos sabemos o quanto o amor dessas pessoas, durante todos os séculos em que aqui pisaram, fortaleceu as raízes de nossas árvores no solo, pois as árvores são sensíveis e, ao serem amadas, se afiançam com mais força no chão; o quanto o olhar interessado dos visitantes ajuda as plantas, pois respondem a este olhar amoroso e interessado tornando-se mais belas; o quanto as aves que vivem nas copas das árvores se esmeraram em desenvolver cantos cada vez mais bonitos e elaborados, pois perceberam que o ouvido humano, atento e interessado em aprender as melodias dos pássaros, lhes estimula o canto; além disso, também nós, os Caa-porás, sempre soubemos que foi o amor dos seres humanos por todas as criaturas que nos manteve vivos todos os séculos de nossa existência; assim nos foi possível prosseguir com nossa tarefa aqui em Amazoil!

Os Caa-porás ao ouvirem as palavras do sábio ancião fizeram grande silêncio! Depois de um longo tempo, alguns argumentaram:

– Mestre, tu sempre falas bem e nos recorda as coisas essenciais. Por tudo isso te agradecemos, mas também sabes que o descaso pela natureza e a ganância do ser humano não destrói apenas a floresta mas também a nós…

Houve um novo silêncio, mas desta vez pesado de melancolia.

Assim como naquela noite no continente as pessoas não encontravam respostas às perguntas que se faziam, os Caa-porás também não souberam qual seria a melhor decisão a tomar. Precisavam salvar Amazoil da face destrutiva do ser humano, mas precisavam também do ser humano para que Amazoil pudesse continuar existindo…

Os anos passaram. Os habitantes das aldeias tiveram que se acostumar a visitar Amazoil apenas nos seus sonhos e nas suas lembranças. Muitos fizeram canções e poemas para ensinar aos mais jovens como era maravilhosa a floresta da ilha, e para que nunca esquecessem o que haviam recebido e aprendido com as visitas àquele lugar.

As pessoas com tochas e machados vieram algumas vezes, mas como não encontraram a Ponte do Guardião, regressaram furiosas e decepcionadas a suas casas. Depois de um tempo elas pararam de vir. Nas aldeias, porém, as pessoas começaram a relembrar a data em que a Ponte do Guardião havia sido recolhida com uma festa que durava toda a noite. As pessoas vinham ao local na praia onde a antiga ponte tocava o solo do continente e ali cantavam e dançavam, olhando sempre para a ilha, na esperança de que um dia os Caa-porás fizessem com que as raízes das grandes Sumaúmas crescessem de novo em direção ao continente e reconstruíssem a Ponte.

Passaram muitas gerações; todas os seres humanos que um dia haviam pisado em Amazoil, já havia morrido. As pessoas só conheciam algo de lá pelas canções, pelos poemas e pela festa celebrada anualmente no lugar da antiga ponte…

Todavia, a esperança dos aldeões não foi em vão!

Numa noite de festa, para surpresa geral, enquanto os aldeões cantavam, alguns notaram que um ruído vinha do mar. Não era o barulho das ondas, pois o mar estava tranquilo naquela noite; parecia o som abafado de troncos roçando uns nos outros. A música cessou, as pessoas fizeram silêncio para ouvir aquele misterioso som que provinha dos lados de Amazoil.

O roçar foi ficando mais intenso e vibrava preenchendo o ar marinho. As pessoas olhavam a escuridão, atentas na direção de onde vinha o som, até que pouco a pouco, alguns começaram a perceber que sombras se moviam sobre as águas e notaram raízes que se enroscavam umas às outras como grossos tentáculos e cresciam com rapidez em direção à praia onde os aldeões estavam observando. As raízes tocaram o solo, se aprofundaram no chão, ainda se torceram, até se afirmaram umas às outras e o ruído cessou. Tudo isto demorou um bom tempo. Ninguém disse nada. Todos ouviam com atenção e observavam. A luz de um novo dia começou a surgir e todos puderam ver que a Ponte do Guardião havia crescido de novo e religava o continente à ilha dos Caa-porás.

Todos saltaram de alegria! As pessoas se abraçaram e cantaram e apontaram para a magnífica ponte que havia surgido de novo, após tão prolongado tempo.

-Vamos até lá! – sugeriam alguns

– Sim, boa ideia, mas não podemos esquecer o que os antigos nos ensinaram: precisamos pensar primeiro o que vamos prometer ao guardião! – diziam outros.

– Tendes razão! Com certeza haverá no portal um novo guardião que só nos deixará entrar se pudermos lhe prometer algo que não cause mal à Amazoil.

As pessoas se sentaram em pequenos grupos para confabular melhor o que cada qual poderia prometer, segundo os desejos de cada um. Uns pensavam em prometer ouvir os maravilhosos cantos dos pássaros, outros queriam ver as flores e observá-las com toda atenção; que cores teriam nesta época do ano? Outros ainda, simplesmente, prometeriam caminhar em silêncio por entre as árvores para sentir um pouco do que pulsa e vibra na floresta…

À medida em que as pessoas formulavam as promessas que fariam ao guardião, iam se encaminhando para a ponte. O primeiro grupo que chegou diante do lugar do antigo portal ficou surpreso, pois o que lá encontrou era bem diferente de tudo o que os antigos haviam contado e escrito nas canções, nos poemas e nas histórias sobre Amazoil…

Os troncos das duas grandes Sumaúmas ainda formavam o portal, mas no lugar do massivo portão de toras, havia um arco formado de galhos; e delicadas lianas pendiam do arco formando uma espécie de cortina; nesses delicados ramos cresciam flores amarelas. Diante desta cortina de flores no portal havia um jovem e pequenino Caa-porá-mirim, que era o novo Guardião do Portal.

– Visitantes, o que me prometeis como penhor para que eu vos deixe entrar em Amazoil? – perguntou o guardião-mirim.

As pessoas expressaram então ao pequeno guardião suas promessas. Esse, com um delicado gesto no ar, fez com que as lianas da cortina de flores se afastassem com suavidade e deixassem uma abertura para os visitantes passarem.

Os aldeões do continente ficaram admirados com tudo que viram na ilha, principalmente porque não havia nenhum sinal do incêndio e da destruição ocorridos no passado. Os sábios e poderosos Caa-porás haviam sanado tudo e feito com que arbustos e novas árvores crescessem no lugar da terra, outrora árida e queimada, naquele triste dia em que alguns por ambição tinham levado parte da riqueza de Amazoil em seus sacos.

A partir daquele dia foi possível aos seres humanos do continente visitar a ilha, sempre que quisessem. Necessitavam apenas prometer ao pequeno guardião algo que estivesse em harmonia com o ciclo da vida em Amazoil.

Este conto continua na próxima semana…

Renato Gomes