Conto: A Ilha das Pedras

Parte I

Era uma vez um pequeno reino numa ilha distante.  Certo dia o rei dessa ilha decidiu dar pessoalmente, a cada habitante do reino, um presente. Entregou a cada habitante, adulto ou criança, uma Pedra do Amor. As pedras eram feitas de puro amor. Elas tinham a particularidade de serem invisíveis, não terem peso físico e, no entanto, serem bem perceptíveis. Os habitantes perceberam logo que o melhor lugar para se guardar essas pedras de amor era dentro do coração. No coração elas aqueciam totalmente a pessoa e atuavam de tal maneira, que cada um passou a pensar e sentir o melhor sobre cada morador da ilha.
Depois que o sábio rei da ilha entregou a Pedra do Amor para cada um dos habitantes, ele faleceu. Na noite da morte do rei, uma grande tristeza tomou conta da povoação daquela ilha em alto mar. Elas se sentiram solitárias e abandonadas.
No entanto, o dia seguinte despontou especialmente calmo na ilha, e havia um brilho surpreendente em cada pessoa. Eram as Pedras de Amor do rei, que naquele momento começaram a brilhar como partes de uma grande obra, e em alguns casos, até começaram a soar. Outra peculiaridade dessas “pedras-presente” logo se fez perceptível – elas eram como puros espelhos: nelas se podia ver espelhada a própria alma. Também as almas de outras pessoas se espelhavam nas pedras, de forma pura e natural. Isso ocasionou uma nova e grande união entre as pessoas da ilha.
Ora, aconteceu que nessa ilha também havia um marinheiro extraordinário e descobridor, que quando era jovem havia viajado pela metade do mundo. Ele foi tomado então por uma grande saudade de partir para terra firme, e lá contar às pessoas sobre o Rei da Ilha, sobre sua morte e sobre suas pedras peculiares. Mas quem lá nas lonjuras, lhe daria crédito, já que ele estava sozinho?
Assim sendo, ele procurou quem o acompanhasse nessa viagem. Ele contou sobre terras estranhas e costumes enigmáticos que ele havia visto, despertando assim em alguns de seus amigos o desejo pelo desconhecido. Ele também descreveu vivamente como os poderosos desse mundo reagiriam às preciosas pedras do amor que cada morador da ilha trazia consigo. Não seria tentador coletar algumas dessas pedras e, conforme o interesse despertado, negociá-las por animais raros, plantas curativas e metais preciosos? 
A troca do presente do rei por dinheiro e ouro incomodou bastante aos que queriam participar da viagem. Isso era correto? Isso não traria azar?
Prontamente este fato fez com que as pedras nos corações dos envolvidos se tornassem imperceptivelmente mais escuras e pesadas. 
Elas ainda brilhavam, mas um leve alvoroço surgiu nas pessoas, no sentido de lançarem-se logo na aventura e arriscarem-se ao negócio.
Assim que, em dia propício, doze pessoas partiram da ilha, lançando-se ao mar equipados de víveres e de bom humor, um velho adivinho que não tinha ido junto, descobriu em seu coração o dom de ver o futuro através de sua pedra. Muito assustado ele previu como os viajantes cairiam em uma tempestade, e também como, através do poder de suas pedras, conseguiriam acalmar os elementos da natureza, a tempestade daí para frente atuaria em suas almas e, em cada um, as dádivas das pedras aos poucos levariam a um sutil egoísmo. Um medo que as pedras pudessem ser roubadas tomou conta dos viajantes, principalmente em terra firme, a qual alcançaram totalmente esgotados depois de sete semanas. Este medo levava continuamente à vontade de ralhar, de brigar, de não mais se unir. E sempre quando um dos que portava a pedra se voltava contra outro que também portava a pedra, essas pedras se tornavam ao mesmo tempo mais escuras e pesadas, o mesmo acontecia com as que havia na ilha distante…
O velho Bardo guardou em sua alma todas essas visões do futuro, e calou-se. Mas elas o tornaram sério e ressequido. Enquanto isso, os outros habitantes da ilha passavam por um período feliz. Descobriram o dom curativo das pedras. Quando dois moradores da ilha, um doente e outro sadio praticavam uma boa ação em conjunto, como por exemplo, montar um canteiro de flores, ou preparar uma gostosa refeição para outros, milagrosamente o doente sarava. E quando duas ou três pessoas mantinham uma conversa profunda, e realmente escutavam umas às outras e faziam perguntas sinceras, percebiam curiosamente como todas eram nutridas e carregadas por suas pedras. De tal maneira que, alguns grupos, a partir daí, passaram a se alimentar mais através de suas conversas do que como anteriormente, através de comida e bebida.
Somente o velho percebia durante as noites que o seu coração doía, e ele percebia como o destino trágico dos doze viajantes também atuava sobre os habitantes da ilha. Desde então aconteciam mais frequentemente pequenas brigas na ilha. Em si elas eram inofensivas, mas tinham efeitos estranhos: acontecia que quando um deles achava que sabia exatamente como seria o tempo no dia seguinte, e os outros não, ou quando um achava que a sua pedra tinha forças curativas especiais, essas discordâncias faziam com que todas as pedras ficassem mais fracas, e às vezes, não faziam efeito.
Na ilha vivia um jovem, que era um aluno aplicado do velho Bardo. Ele aprendera com o velho a tocar a lira, todas as canções antigas e suas melodias. O Bardo nunca falava sobre suas histórias desastrosas do futuro, no entanto, o rapaz sabia do porquê. Ele sabia ler as pedras em todos os corações, de forma especialmente pura e clara. Ele também acompanhava o destino dos 12 viajantes, que neste ínterim haviam brigado entre si e se separado. Ele sabia que o Rei Trevas já havia capturado 7 pedras, e que este pensava dia e noite sobre como conseguir as outras 5.  O rapaz sabia que isso não poderia acontecer.
O que deveria acontecer para que o Rei Trevas não alcançasse seu objetivo ficando com todas as 12 pedras em seu poder? O rapaz refletiu sobre isto várias noites. 

O Bardo percebeu através do canto dele o quanto a seriedade da existência havia penetrado em sua vida, e também pôde ver as forças de sacrifício muito especiais que eram exigidas da pedra dele. Mas ele ainda precisava de uma terceira alma, que acordasse, para que os acontecimentos na ilha pudessem ser discutidos…
Desde a morte do rei, sua filha – uma jovem de pura alma – vivia muito recolhida no castelo. Ela conversava com seu pai através de seu coração e raramente se misturava com as pessoas.  Certo dia, quando caminhava pelas ruas em trajes simples, escutou por uma janela aberta o canto suave do rapaz. Ela nunca havia escutado algo assim. Soava como o murmúrio do mar, o canto dos pássaros, a risada das crianças pequenas, e mesmo assim, ainda havia algo a mais – a pedra do amor dele cantava junto, soava de forma muito viva, como se partisse de várias gargantas ao mesmo tempo. Isso despertou nela um profundo amor por esse rapaz cantor.
Na noite seguinte, ela então viu que esse rapaz corria grande perigo. Um Rei Trevas com 11 cães terríveis caçava o rapaz por uma floresta escura. Por um triz ele conseguiu entrar no oco de uma árvore, totalmente sem fôlego, e o Rei Trevas, com suas 11 bestas, passou voando e sumiu dentro da noite cinzenta. Protegido pela árvore, o rapaz estava totalmente desesperado. Ele sabia que se o Rei Trevas capturasse mais uma pedra, ele então teria todas as 12 em mãos. Então surgiria a décima segunda besta, e também a ilha estaria perdida. Pois elas surgiriam e ficariam com tudo e os moradores da ilha ficariam desprotegidos como crianças adormecidas.
A filha do rei então sentiu uma dor muito profunda ao ver o rapaz tão desesperado, e chamou-o dizendo que queria ajudá-lo… mas nesse instante ela acordou. 
Nesta mesma noite o velho Bardo adoeceu severamente, e o rapaz precisou cuidar dele a partir de então.  A filha do rei então mandou procurar o rapaz, mas as suas servas não o encontraram. O rapaz usou de todas as suas artes curativas para salvar o amado mestre da morte. De noite lutava contra os demônios e de dia cuidava do velho. Este se calava. 
Assim se passaram 40 dias.

Steffen Hartmann

(continuação no domingo dia 08/11)