Conto: A Fortaleza de Pedra

Hasan morava em um oásis, nas margens do Grande Deserto. Por ali passavam muitas caravanas que cruzavam o deserto. Os viajantes aproveitavam para descansar e beber a fresca água que brotava num manancial, no centro do oásis. Hasan havia construído uma modesta casa de pedra naquele lugar. Quando chegavam as caravanas, Hasan ia ter com eles e lhes oferecia queijo feito com o leite de suas cabras e deliciosas tâmaras, que ele mesmo colhia nas altas tamareiras que lá cresciam. Com o dinheiro que recebia pela venda desses alimentos, ele sempre comprava algo dentre as tão variadas mercadorias que os comerciantes das caravanas traziam. Hasan começou, então, a acumular tantos objetos, tecidos e mercadorias raras que decidiu montar um pequeno bazar em sua casa de pedra. Com o tempo, junto com a venda de seus queijos e tâmaras, Hasan passou a vender muitas outras coisas e se tornou um comerciante bem-sucedido, pois os viajantes visitavam com muito interesse seu bazar e compravam coisas ou simplesmente trocavam por outras mercadorias, que eles mesmos traziam em suas caravanas. Hasan sabia fazer bem este ofício, e foi ficando cada vez mais rico. Aumentou sua casa, erguendo novas paredes de pedra para construir outros cômodos. Era o próprio Hasan que construía as paredes e os muros, recolhendo as pedras soltas que rolavam do alto de um grande paredão rochoso, nas proximidades do oásis. Hasan teve um dia a idéia de ampliar os muros de sua residência, até circundar completamente o manancial; deste modo ele passou a vender também a água aos viajantes. Em pouco tempo Hasan se tornou um riquíssimo comerciante, seu bazar havia crescido e ocupava vários cômodos da casa. Ele havia juntado muitos baús com moedas de prata e ouro; tudo parecia que andava bem. Entretanto algo começou a acontecer a Hasan. Quando chegava uma caravana ao oásis, no início ele se alegrava, pensando nos bons negócios que faria; mas com o tempo, começou a sentir preocupação: ele cuidava de tudo sozinho e havia tantas pessoas circulando dentro do seu bazar, e se alguém surrupiasse algum objeto? e se alguém achasse num dos cômodos do bazar um dos baús com moedas, que ele havia escondido debaixo de muitas caixas de mercadoria? e se, no meio de tanta gente, alguém simplesmente saísse levando alguma coisa e deixasse de pagar por ela?

Estes pensamentos começaram a preocupar muito Hasan. Ele tinha medo de ser enganado ou roubado. Quando faltavam alguns dias para a chegada de alguma caravana, às vezes, Hasan tinha pesadelos por causa disso. Inicialmente, Hasan decidiu que as pessoas não iriam mais entrar no bazar; colocou uma grande mesa na entrada e as pessoas diziam a ele o que queriam e ele ia buscar a mercadoria no interior da loja. Por este motivo, ele só conseguia atender um cliente de cada vez e isso gerava uma longa espera para os demais clientes. Apesar dessas mudanças, Hasan continuava preocupado. Decidiu construir com as pedras um alto muro, que circundava toda sua casa, com um único e grande portão de madeira. Hasan abria uma pequena janelinha no portão, quando os clientes batiam, e os atendia desta maneira. As pessoas reclamavam e insistiam que gostariam de entrar para poder ver as mercadorias tão especiais que Hasan guardava em sua loja, mas ele era irredutível e não abria o portão a ninguém.

Algumas caravanas às vezes armavam suas tendas no oásis para pernoitar ali antes de prosseguir viagem no dia seguinte. Nessas noites Hasan não conseguia dormir, por causa de sua grande insegurança e medo de ser roubado. Passava toda a noite acordado, vigiando se alguma pessoa colocaria uma escada ao lado do muro para escalá-lo e entrar em sua propriedade. Isto nunca aconteceu, mas, ainda assim, Hasan não ficava sossegado. Por fim teve a ideia de prosseguir colocando fileiras de pedras sobre o muro, em círculos cada vez mais estreitos, de modo que edificou sobre sua casa, sobre seu bazar e sobre o manancial uma grande cúpula de pedra, parecida com um iglu de gelo. Decidiu também fechar com pedras o lugar do portão. Cavou um túnel secreto por debaixo do muro, cuja saída ele escondia com galhos e ramos das palmeiras. Essa era a única possibilidade de entrar ou sair da fortaleza de Hasan. Quando chegavam as caravanas, ele recebia as pessoas do lado de fora, bem distante da entrada secreta do túnel; perguntava o que necessitavam e corria até o interior, trazia o que havia sido solicitado, recebia o pagamento correspondente e, rapidamente, desaparecia sem que ninguém soubesse por onde ele entrava e saia da fortaleza de pedra. Por um tempo, Hasan ficou mais tranquilo, mas novamente vieram as preocupações: se um dia alguém descobrisse o túnel secreto e entrasse em sua propriedade? Este pensamento não dava sossego ao pobre homem. Hasan decidiu então recolher inúmeras pedras e começou a empedrar o chão do terreno em volta da casa. Ele socava as pedras com muita força contra o chão, para impedir qualquer pessoa de escavar outro túnel e aparecer sorrateiramente lá dentro. Decidiu também encher o túnel secreto de pedras; afinal, ele possuía tudo que precisava no interior da fortaleza; havia acumulado muitos alimentos, tinha ainda suas cabras que lhe davam leite e queijo e o manancial lhe fornecia água fresca; não precisava sair e ninguém podia entrar. Parecia que, enfim, Hasan encontrava sossego! Contudo algo novo aconteceu. Hasan havia socado tantas pedras no solo e as havia colocado até bem próximo do manancial de água fresca, que um dia o manancial secou. O peso e a pressão das pedras não deixavam a água subir à superfície! Na escuridão do interior da fortaleza de pedra, as cabras morreram de sede. Somente neste momento, Hasan, caindo em si, e disse: “Meu Deus! Eu tinha tanto medo que as pessoas me enganassem, que roubassem minhas coisas. Eu fiz todo o possível para mantê-las bem afastadas, mas somente agora percebo que eu fui o maior ladrão de todos! Eu me roubei a luz do sol, pois esta cúpula de pedra deixa tudo escuro aqui dentro. Eu me roubei a fresca brisa, pois estes muros de pedra não deixam entrar vento algum. Eu me roubei a água fresca, que jorrava abundante no manancial e agora secou, soterrada pelas pesadas pedras. Eu também me roubei o convívio com as pessoas, as conversas, o riso, a possibilidade de sentar junto com amigos em volta de uma fogueira e observar as belas estrelas numa noite sem luar… Hasan ficou tão triste que decidiu, naquele momento, começar a derrubar os muros de sua fortaleza prisão. Começou retirando a pedras do alto da cúpula e, quando já havia feito uma abertura grande o suficiente para deixar passar sua cabeça, Hasan olhou para fora. Naquele exato momento, nascia o sol no horizonte. Foi uma grande alegria! Hasan estava tão contente que disse em voz alta: “Sol, tua luz me enche de vida e alegria! Eu nunca mais vou roubar aos meus olhos teus raios dourados!” Naquele instante, se aproximava uma caravana do oásis. Do alto Hasan gritou: “Amigos, querem me ajudar a desmanchar esta prisão de pedra que construí? Ajudem-me, pois quero receber todos vocês em minha casa!” Aqueles viajantes conheciam Hasan de outros tempos. Ficaram surpreso ao ouvir aquilo. Imediatamente, várias pessoas começaram a subir nas paredes de pedra e ajudaram Hasan a desmanchar a cúpula. Outros ajudaram a abrir de novo a abertura do grande portão. A casa de Hasan se encheu de luz, de vozes e de alegria. Naquele dia, Hasan não vendeu nada. Ele presenteou as pessoas com o que elas quisessem levar, pois elas o ajudaram a se libertar da prisão que ele mesmo havia construído. Antes de partirem, algumas pessoas ainda ajudaram Hasan a retirar as pedras em volta do manancial. Foi um trabalho árduo, mas eles conseguiram e a água fresca tornou a jorrar. Se antes Hasan havia conseguido fazer boas vendas e bons negócios, a partir daquele dia seu bazar passou a fazer mais sucesso ainda. Caravanas de lugares muito distantes vinham até o oásis para visitar Hasan e seu famoso bazar. Hasan oferecia a todos água fresca e deliciosas tâmaras, sem nada cobrar. As pessoas entravam e saiam dos muitos cômodos de sua loja e ele não se preocupava mais que pudesse ser enganado. De fato, ninguém o enganava ou surrupiava algo do bazar. Todos sabiam que Hasan havia se transformado numa pessoa boa, generosa e alegre. Sua simpatia em receber as pessoas em sua casa era tanta que, ao contrário, vários comerciantes acabavam deixando muitos presentes para Hasan em sua loja, pois haviam se sentido bem acolhidos ali.

Daquele dia em diante, Hasan passou a acordar todos os dias bem cedo, antes do amanhecer, para poder ver o nascer do sol e assim cumprir a promessa que havia feito a si mesmo: Nunca mais se permitir roubar a seus olhos os dourados raios do sol!

Renato Gomes